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29 de janeiro: Visibilidade Trans para quem?

Estar visível não significa necessariamente algo que converta-se em um feedback saudável. Eu tenho uma relação agridoce com a visibilidade, costumo andar pelas bordas quando estou na rua, quase esbarrando nos muros, como se eu quisesse entrar neles e ser invisível. Finjo não estar atenta a qualquer sinal de que a minha identidade foi percebida, ela é berrante! Acho, aliás, chego a ter certeza que a palavra "aberração" está escrita em minha testa.

O preço que pago quando observam e apontam a minha travestilidade é muito alto, torno-me alvo de agressões, chacotas e deboches. Descobri que é mais fácil camuflar-me entre os considerados normais e tentar viver em paz.

"Olha lá a sua namorada passando!" Gritam para alguém enquanto ferem-me junto. Os dedos que me denunciam e são apontados para mim anunciam uma realidade: é um crime ser travesti. Quer dizer, quem sabe criminosos conseguem ter um reconhecimento social maior! 
 
Ou até mesmo um caso clássico onde uma conhecida afirmava que havia mostrado fotos minhas para um primo, no desejo de ridicularizá-lo. "Bonita, né?" Ela perguntou antes de contar – "É travesti!"  Não são todos que podem dizer que já viram travestis durante o dia, a sociedade chega a acreditar que as travestis são criaturas noturnas. Saem do chão quando anoitece, vão prostituir-se e voltam para o chão quando o sol começa a surgir. Afinal, o chão é o lugar determinado previamente para "gente" como eu. 
 
Estudo em uma faculdade na qual sou considerada pelos discentes um corpo estranho que deve ser repelido. As pessoas reduzem a instituição de ensino superior a sala de aula e esquecem dos corredores, praças, banheiros e outros recintos. Em todos eles posso ouvir os cochichos, as mãos que são usadas para minimizá-los, os cotovelos que são empurrados, os olhos esbugalhados… Expressões corporais que sussurram-me: esse lugar não é pra você.
 
Quando Jared Leto ganhou o Oscar por interpretar Rayon, imediatamente lembrei-me dos teatros de outrora onde homens interpretavam mulheres pois a apresentação delas era proibida e, dos negros que eram zombados pelos brancos na caricatura abominável conhecida pelo termo "blackface".
 
Será que não existia nenhuma pessoa trans qualificada para interpretar aquele papel? E a respeito de todos os outros filmes sobre o tema? Quantos foram interpretados por travestis, transexuais ou transgêneros? Dois? Um? Zero? 
 
Se formos pegar a mídia brasileira iremos ter um longo histórico de pessoas cis parodiando pessoas trans em novelas. Em um caso recente uma travesti foi chamada para interpretar – pasmem – uma prostituta. Até porque esse é o destino dogmático de toda travesti, não é mesmo? Não existe travesti gerente, professora, faxineira, vendedora ou empresária. Imagina se colocam uma travesti médica na novela? O revertério que isso não iria dar na cabeça do telespectador! 
 
"Quem esse povo da margem pensa que é? Até ontem estavam na esquina! Agora querem dizer na tv que conseguem um emprego formal?"
 
Eu tinha 18 anos quando assisti a Lea T em uma das suas primeiras entrevistas, até aquele momento eu havia internalizado que o meu ponto de chegada seria – em caso de sorte – o salão de beleza. Ter visto na televisão essa pessoa que compartilhava uma trilha similar deixou-me esperançosa, se ela conseguiu ocupar aquele espaço eu também conseguiria ocupar outros. 
 
Só eu sei como a representatividade importa. Contudo, não quero supor que o papel das pessoas cis deva ser restrito ou que o papel das pessoas trans deva ser exclusivamente esse, eu estaria criando uma barreira indesejada. Quero propor apenas que a nossa inserção ocorra de forma que desconstrua a rede de estereótipos que orbitam ao redor das esferas midiáticas. Que a falta – acarretada pela transfobia – de travestis, transexuais e transgêneros em espaços públicos seja preenchida a partir da notabilidade dessas pessoas em locais de disputa. Que essa visibilidade naturalize a nossa presença, não mais causando a tradicional repulsa. 
 
Ótimo filme, mas na minha luta nada acrescentou. Jared Leto imitando uma travesti somente consegue me dizer – novamente – uma coisa, que nem para interpretarmos a nossa própria existência nós prestamos. 

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