Há séculos, a comunidade LGBTQIA+ encontra acolhimento e resistência espiritual no santuário da Madonna Negra em Montevergine, Itália.
Em meio às montanhas do sul da Itália, perto de Avellino, uma tradição secular floresce e acolhe a diversidade com braços abertos. A peregrinação à Madonna Negra de Montevergine reúne anualmente dezenas de femminielli – uma comunidade histórica de terceiro gênero na cultura napolitana – junto com membros da comunidade LGBTQIA+ de toda a região, numa celebração de fé, identidade e resistência.
Enquanto o continente europeu presencia governos que usam a religião para justificar preconceitos e exclusões, Montevergine se destaca como um espaço sagrado onde a espiritualidade e a diversidade se encontram em harmonia. Durante o trajeto de duas horas por trilhas íngremes, os peregrinos vivem um rito de purificação, sentindo o corpo e a alma se renovarem entre cânticos, rezas e a companhia acolhedora da natureza.
Uma Tradição Ancestral de Amor e Proteção
Segundo a lenda local, a Madonna Negra salvou dois homens gays no século XIII, um ato de compaixão que reverbera até hoje no coração dos peregrinos. Para os femminielli, que possuem uma identidade de gênero única e respeitada na cultura napolitana desde o século XVI, esta devoção é uma reafirmação de seu lugar especial na sociedade. Eles são vistos como seres com uma conexão espiritual singular, que transcende as categorias tradicionais de gênero.
Stefania Zambrano, femminiello desde a infância, compartilha que visitar a Madonna Negra é como reencontrar uma mãe protetora, capaz de acolher sem julgamentos. Para ela e muitos outros, a peregrinação é mais que um ritual religioso: é uma celebração da existência autêntica e um espaço onde a liberdade de ser é sagrada.
Entre Fé e Luta: Montevergine como Refúgio
O padre Salvatore, que acompanha de perto essa tradição em Nápoles, explica que a Igreja local reconhece e respeita essa fé que emerge das raízes napolitanas. “A Madonna tolera as pessoas LGBTQIA+ e as recebe livremente. Quem somos nós para não fazer o mesmo?” – afirma ele, ressaltando a importância da virtude da tolerância em um contexto onde a exclusão ainda é uma realidade.
No entanto, a Itália, apesar de sua rica história cultural, ainda enfrenta desafios significativos para os direitos LGBTQIA+. Em 2024, o país registrou um aumento preocupante em ataques contra pessoas queer e retrocessos legais, como o fechamento de possibilidades para que casais homoafetivos tenham filhos legalmente reconhecidos.
É nesse cenário que a peregrinação à Madonna Negra de Montevergine ganha ainda mais significado: como um santuário, um lugar onde a fé e a identidade se entrelaçam para proteger e celebrar a comunidade LGBTQIA+, oferecendo um respiro em meio a um país que nem sempre acolhe sua diversidade.
Um Chamado à Aceitação e Resistência
Na pequena cidade de Ospedaletto d’Alpinolo, onde a caminhada começa, a mensagem contra a homotransfobia é clara e presente. Moradores abraçam a tradição com respeito e carinho, lembrando que a presença dos femminielli e peregrinos é parte da identidade que constrói a comunidade local.
Para muitos jovens como Vincenzo Vassallo, que participa da peregrinação desde adolescente, esse momento é um espaço sagrado onde não é preciso “performar” ou esconder sua verdadeira identidade. “Deus sabe quem somos, mesmo por trás das perucas, maquiagem e esmaltes. E Ele acolhe a todos”, compartilha Vincenzo, emocionado.
Essa celebração ancestral na Itália é um lembrete poderoso de que fé e diversidade podem, e devem, caminhar juntas. A peregrinação queer à Madonna Negra de Montevergine não é apenas um ritual religioso, mas um manifesto vivo de amor, resistência e pertencimento para a comunidade LGBTQIA+.
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