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Beeshas do Brasil – Na estreia da coluna, o assunto é o polêmico Clodovil, morto há dois anos

A partir de hoje, o site A Capa passa a publicar a coluna quinzenal Beeshas do Brasil, que contará um pouco da história de gays lendários que marcaram a cena LGBT brasileira – para o bem ou para o mal. Na estreia, um personagem para lá de polêmico: Clodovil Hernandez, morto há exatos dois anos.

Nascido em 1937, no interior de São Paulo, Clodovil foi adotado por um casal espanhol e nunca conheceu seus verdadeiros pais. Sua relação com a mãe adotiva era fortíssima, como ele sempre reforçaria em entrevistas no futuro.

Já no final da adolescência, Clodovil começou a demonstrar seu incrível talento para o estilismo. Passou a desenhar modelos e vendê-los para lojas de departamentos, encantando as peruas da sociedade paulistana do fim dos anos 50. Essa fase teve seu ápice em 1960, quando ganhou o primeiro prêmio Agulha de Ouro.

Veio então a década de 60, onde Clodovil reinou como o maior costureiro do Brasil, tendo somente como rival o estilista Dener, seu arquiinimigo. Para se ter uma ideia, foi Clodovil o escolhido para criar o vestido de casamento de Nice Braga, quando esta se casou com o Rei Roberto Carlos em 1968 – a despeito de Roberto ser muito amigo de Dener.

Já nos anos 70, Clodovil começou a flertar com um veículo diferente da moda: a televisão. Em 1976, o estilista venceu o concurso do programa "8 ou 800", uma espécie de quiz da época, ao responder perguntas sobre Dona Beija, a famosa Cortesã de Araxá. Nessa época Clodovil já disparava coisas polêmicas, como dizer que se inspirava em Beija, e que havia sido Cleópatra em outra encarnação.

Nos anos 80, ele passou a frequentar a TV regularmente. Entre 80 e 82, na TV Globo, foi um dos apresentadores do matinal feminino "TV Mulher" – mas, nos bastidores, brigou com Marília Gabriela e acabou saindo do programa.

Em 1983, teve o programa "Clodovil", na Band, e no mesmo ano foi para a recém-inaugurada – e hoje extinta – TV Manchete, onde teve programas famosos: "Clô para os Íntimos" (85/88), "Clodovil Abre o Jogo" (91/93). Em ambos, virou âncora de talk show, entrevistando personalidades.

Notabilizou-se então pelo estilo ferino, o humor cruel e as constantes grosserias e brigas com os próprios entrevistados. Ficou famosa a entrevista com Lobão em 1991, quando o estilista perguntou porque o cantor usava drogas – ao que Lobão rebateu perguntando porque Clodovil era passivo.

Graças ao seu temperamento explosivo, entrava e saía de emissoras o tempo inteiro, mudando de programa e de equipe. Passou pela CNT ("Clodovil em Noite de Gala", "Retratos", "Clodovil Frente e Verso"), RedeTV! ("A Casa é Sua"), novamente pela Band ("Clodovil Soft")…

A essa altura, Clô já havia deixado a moda de lado há muito tempo, preferindo dedicar-se à carreira de apresentador de TV, onde cada vez mais consagrava seu estilo polêmico e considerado rabugento por muitos – o que lhe valeu o apelido de "Clodovéia", inventado pelo colunista José Simão.

O passo seguinte seria a controvertida carreira política. Clodovil foi eleito em 2006 à vaga de deputado federal pelo PTC (Partido Trabalhista Cristão), entrando para a história como o candidato com o terceiro maior número de votos em São Paulo, além de ser o primeiro deputado federal gay assumido.

Na campanha, ele dizia: "Vocês acham que eu sou passivo? Pisa no meu calo pra você ver…". Uma vez eleito, Clodovil aprontou mil e uma: trocou de partido em 2007, filiando-se ao Partido da República (PR), gastou os tubos para reformar o gabinete que ocupava em Brasília e arranjou uma encrenca pública com a deputada Cida Diogo, do PT-RJ.

O deputado afirmara que "atualmente as mulheres trabalham deitadas e descansam em pé". Cida contestou a frase do colega, e Clodovil rebateu: "Digamos que uma moça bonita se ofendesse porque ela pode se prostituir. Não é o seu caso. A senhora é uma mulher feia".

Em 2009, enfim, o deputado sofreu um AVC, e após ser internado, teve morte cerebral, decretada em 17 de março. Seu velório ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo, e ele foi sepultado no Cemitério do Morumbi, ao lado de sua mãe adotiva, Isabel Hernandez.

Desapareceu de cena, mas não da memória brasileira. Como bem definiu José Simão, Clodovil era uma figura singular: "era muito engraçado, mas não tinha senso de humor; era gay, mas dizia coisas homofóbicas".

De fato, ele sempre se declarou homossexual, mas dizia-se contra o casamento gay, o movimento GLBT brasileiro e contra a Parada do Orgulho Gay. Apesar de se ausentar do assunto, Clodovil teve muitos romances na vida pessoal – um deles, com o famoso Osmar, dono do Quiosque do Osmar, na praia de Prumirim, em Ubatuba, litoral norte de SP. O namoro, que aconteceu nas décadas de 70 e 80, levou Clodovil a adquirir uma casa na região – imóvel que ainda hoje é disputado por credores na justiça, já que Clô não deixou herdeiros, mas sim uma série de dívidas.

Amado por muitas donas-de-casa, aposentados e fãs de moda, detestado pela intelectualidade, criticado pelas mídias. Assim foi a trajetória de Clodovil na vida brasileira. Goste-se ou não dele, marcou época e merece, assim, entrar para a galeria de Beeshas do Brasil d’A Capa. Ainda que, provavelmente, ele não fosse gostar dessa "honraria"…

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