Nos anos 90 vivemos o auge do politicamente incorreto e da porra louquice, acreditávamos que fôssemos vivenciar um século XXI mais libertador do que tinha sido a ultima década do século XX. Ainda mais quando o Brasil elegeu pela primeira vez o PT e o Lula. Estávamos crentes de que as coisas iam andar pra frente no que diz respeito ao comportamento individual… Porém, vivenciamos um momento que podemos chamar de neo-higienismo.
Para quem não sabe, o termo higienista/higienismo surgiu com os liberais no século XIX, quando resolveram estabelecer políticas de controle da saúde das pessoas. O que primeiramente poderia ser encarado como políticas de saúde, depois se revelou uma política de controle dos corpos. Ou seja, passariam a estabelecer o que seria saudável ou não fazer. E isso em todos os campos: arte, sexo, escola, descanso, comida, enfim, campanhas objetivando um sujeito “limpo” e “ideal”.
Tal ideologia foi fortemente combatida nos anos 60 pelos movimentos de contracultura, principalmente com os hippies e punks. De um lado o amor livre e do outro uma vida, digamos, nada limpa, no sentido positivo do que é ser sujo. E assim, as políticas higienistas foram perdendo força e crédito. Mas, assim com o liberalismo se reinventou, o higienismo também está se reinventando e voltando com todas as forças e apoio possível. Principalmente a partir dos canais religiosos fundamentalistas e partidos políticos de direita.
Podemos apontar as eleições de 2010 como o ponto crucial para a volta deste neo-higienismo que estamos vivendo. As forças fundamentalistas venceram as eleições e dobraram Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) fazendo com que ambos assinassem termos onde se comprometiam a não emitir de seus gabinetes projetos pró-LGBT e pró-aborto. Esta sempre foi a agenda principal dos higienistas: vigiar, perseguir e punir mulheres e homossexuais, ou qualquer sujeito que não estivesse dentro dos padrões estabelecidos como “saudáveis”.
De 2010 pra cá acompanhamos um avanço sem precedentes em termos de campanhas para higienizar. Primeiramente a campanha antitabaco, que não satisfeita em apontar os malefícios do cigarro, convoca as pessoas a denunciarem quem “desrespeitar” a lei, como se estivéssemos na ditadura; agora vivemos sob a campanha do álcool para maiores de 18 anos… Alguém acredita que menores não vão beber? O texto ta errado.
E por fim, nos deparamos com a ação da crackolândia em São Paulo, onde governo do Estado e Prefeitura, numa ação conjunta que Alckmin e Kassab disseram desconhecer (ah é, então se demitam), impôs o terror às pessoas que perambulam pela Luz atrás de pedra para fumar e vender. Um dos responsáveis disse que só a partir da “dor e do sofrimento” é que eles vão parar de fumar… Basta dar uma volta pela bairro da Luz e notar que nada mudou e o governo se calou.
Os higienistas tratam a questão do crack com se fosse algo novo, mas sabe-se muito bem que desde 2001 o Centro de São Paulo abriga os viciados e nunca fizeram nada quando o drama não era de tamanha proporção, e agora querem fazer uma limpeza no Centro e nas pessoas. Deveriam se espelhar em países como a Alemanha, que nos anos 80, quando viveu a epidemia da heroína, resolveu que iria acompanhar a vidas dos viciados e criar espaços para os usuários, assim, conseguiu aos poucos partir pra cima do uso de heroína, não com repressão. O mesmo se deu com a crackolândia de Nova York, local onde nasceu o crack, no fim dos anos 80.
Os novos higienistas não se detêm apenas com a questão do crack, também estão em cima das mulheres grávidas: quando a presidenta Dilma Rousseff, na calada, assinou a Medida Provisória 557 que visa cadastrar e acompanhar as mulheres gestantes com o claro intuito de querer saber quem interrompeu a gestação e interpelar judicialmente, referendou a política mais sórdida e baixa dos higienistas, a troco de que? Eis uma resposta que muita gente quer saber.
Sobre a comunidade gay nem precisamos falar muito, basta analisar as derrotas sofridas neste começo de século XXI no Congresso Nacional e ao redor do Brasil, sem contar os assassinatos influenciados e invocados pelos neo-higienistas.
O que observamos é que vivemos uma inquisição moderna, onde todos devem ser limpos, não comer muito, não transar muito, não beber, não fumar, enfim, ainda estamos no século XIX… É preciso ir contra tal ideologia e reivindicar um sujeito mais sujo e liberto.