Para o comediante paranaense Aramyz, o humor tem outra função além de simplesmente fazer rir. Assim, uma piada pode ser engraçada, mas deve ter o tom de crítica social.
Aramyz põe em prática essa sua visão peculiar da comédia no espetáculo "Minhas Mulheres", em cartaz em São Paulo. Sozinho em cena, ele interpreta oito personagens femininos, sendo que um deles é Dona Alzira, mãe de um gay. Nascidas de experiências do artista, essas personagens fazem a plateia refletir sobre questões da vida moderna, como saúde, prostituição, igreja e família.
Em entrevista ao site A Capa, Aramyz, que integrou a trupe do Deboshow ao lado de Evandro Santo, conta em que se inspirou para criar oito personagens tão diversas quanto o próprio universo feminino, como uma ex-atriz pornô que virou evangélica e outra que quer ser famosa e se inscreve para participar do Big Brother. Confira a seguir:
Quem são as mulheres do espetáculo? Pode me falar um pouco sobre elas?
As mulheres do espetáculo são todas as mulheres com quem convivi e de quem roubei um pouco, mãe, irmã, tias, vizinhas. A enfermeira Cleonice, por exemplo, é um pouco inspirada na minha mãe que tem um humor extremamente negro, mas que é engraçada dentro da sua crueldade. A Gula, gordinha feliz, veio a partir de uma coisa absurda que ouvi minha irmã falando quando estava fazendo regime. Tinha uma vizinha feia, chamada Ozerina, que era cheia de filhos e que achava que todos os homens olhavam para ela. Um dia minha mãe disse: "olham sim e querem matar". Adriana, a comissária, veio de uma amiga que odeia ser tratada como garçonete de avião, e eu vivo enchendo o saco dela com isso. A Edcarla Cristina, uma menininha que quer ser famosa, me inspirei na Maísa [do SBT] mesmo, ô menina pentelha, né? Pentelha e adorável. São mulheres de amargar, cheias de amor, como todas que conhecemos, cruzamos pelas ruas e dentro de nós.
Como é falar do universo feminino sendo um homem? A caracterização é suficiente para desvendar essas personagens?
Quando criei as personagens não parti da sexualidade delas, parti do sentimento, em cena poderiam ser tanto um homem quanto uma mulher. Quando pego um personagem, o mais importante é o que eu não estou vendo, o avesso dele, e foi assim com "Minhas Mulheres". Figurino é pura casualidade, é uma caracterização que sempre engana a plateia, digo que é um pacote surpresa, a gente nunca sabe o que tem dentro, a alma.
Uma das personagens é Dona Alzira, mãe de um homossexual. Que referências você buscou para ela?
Sim, Dona Alzira (foto) tem um filho de 33 anos, solteiro, que mora com ela e que todos falam que é gay. Então ela fala que Cristo também era solteiro, tinha 33 anos, morava com a mãe e vivia rodeado de homens e ninguém falava nada porque ele fazia milagres, mas também se faz milagre com as garotas que saem na Playboy… As referências para a mãe de um gay estão por todo lado, até mesmo na minha própria mãe, que era mais cruel que essa Dona Alzira, que ama o filho e diz que ele tem o que é mais importante num homem, a dignidade. Minha mãe dizia que preferia um filho morto que um filho viado… Pois é, estou vivo.
Você acredita que o humor pode reforçar preconceitos?
Depende muito. Acho que a pior coisa que aconteceu para o humor foi o politicamente correto. Isso calou a boca de muito comediante, porque o humor é criado, na maioria das vezes, a partir do preconceito. Vejo o stand-up comedy, por exemplo, que tem suas regras, negro pode falar de negro, judeu de judeu, gordo de gordo, gay de gay. Eu fazia comédia stand-up e falava do universo gay, nunca fui tão discriminado em toda minha vida. Na comédia stand-up tem outros gays que não são machos o suficiente para se assumir, então ficam em cena fazendo tipo.
Acho que isso, sim, reforça o preconceito, é a negação de quem você é. Agora tem comediantes que falam de assuntos delicados de forma inteligente. Evandro Santo e Darwin Demarch, por exemplo, com quem tive o prazer de trabalhar quando juntos criamos o Deboshow, sabiam fazer humor sarcástico e irreverente sem ser preconceituoso, era um humor anarquista que acabou quando moralizou. Não acredito em comediante moralista, apodrece. Outros humoristas inteligentes são Marcela Leal, Danilo Gentili, Rafinha Bastos, Marcio Reiff e Dani Calabreza, comediantes com quem já dividi o palco e com quem aprendi muito. Fazem um humor inteligente, tocam em assuntos que poderiam balançar as estruturas da plateia, mas o fazem com dignidade, e é por isso que estão aí, sobrevivem nesse cenário medíocre da comédia, onde qualquer garotinho acha que pode ser comediante. Dos politicamente corretos só se salva a turma do Terça Insana, que tem o punho forte de Grace Gianoukas no comando, e que faz um humor social.
O grande problema do humor hoje em dia é que não se cria nada, neguinho pega essas piadas babacas e cheias de preconceito da internet, coloca num texto e se diz autor… Autor cria! Reler piada é coisa de comediante medíocre. Claro que meu humor é crítico, se vai fazer humor e não vai fazer humor crítico, que mexa com estruturas, escreve gibi pra criança.
Como você analisa a abordagem da homossexualidade pelos comediantes hoje?
A abordagem da homossexualidade nunca mudou, continua a mesma de 50, 100, 200 anos atrás, é sempre o gay afetado que é esculhambado por um machista, o gay afetado que anda com uma perua burra, o gay afetado que anda com outro gay afetado e fala de mediocridades. Quando vejo shows de stand-up comedy com esses garotos que não têm formação subindo ao palco e fomentando o preconceito, que é coisa de gente burra e atrasada, vejo o quanto esse país está uma bosta, que temos um sindicato dos artistas que não é ativo, que não faz nada para tirar gente ruim de cena que trata minorias com descaso. Se bem que esse negócio de minoria é relativo, não se pode dizer que pobre é minoria. A culpa do preconceito é da própria comunidade gay, que quando vê um personagem caricato engraçadinho na TV acolhe e ainda sai por aí repetindo seu bordão estúpido. Tem coisa mais vexaminosa que um gay gritando "olha a faca!"?
Serviço:
Minhas Mulheres
Pub Sonoma – Largo Santa Cecília, 88, Santa Cecília (em frente à estação de Metrô Santa Cecília). Informações: (11) 3337-4116.
Terças-feiras, às 21h30.
Ingressos: R$ 20,00.
Até 24/11.