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A dor de ter sido deixada

Eu acho que todas aqui concordam que estamos transitando todo o tempo por situações inevitáveis de rompimentos, términos, mudanças e fim. Ora uma doença, ora a velhice, a morte é tudo o que não sabemos com exatidão responder o porquê. Fato é que tudo acaba um dia.

Eu acho também que todas aqui já se questionaram dessa forma: “Ela me deixou, vai seguir sem mim?” “Por que antes ela me amava e agora deixou de me amar?” “O que fiz de errado para que isso acontecesse?” “Por que todas me deixam e não conseguem conviver comigo?” “Onde está agora todo aquele amor que ela sentia?”

Esses são alguns dos infindáveis questionamentos que nós mulheres fazemos quando nos deparamos com uma situação de muita dor, quando somos deixadas por quem amamos. Procuramos entender o porquê, onde, como, e não encontramos uma resposta exata. São tantas dúvidas, dores e simultâneas sensações impactantes que formam um misto de tristeza, raiva, mágoa, depressão, ridicularização, negação e desespero com relação a quem amamos e ao que sentimos.

Não importa quanto tempo isso dure, cada uma tem o seu momento para se re(descobrir) e se reerguer. Dizem que somente amando se aprende a amar, que somente através da dor que evoluímos e nos purificamos e que somente através do amor(dor) é que chegamos a Deus.

Amor e dor caminham juntos? Eu redigiria um texto imenso aqui se fosse analisar essa questão. Uns acham que sim, outros que não. Mas isso também não vem ao caso agora. Estamos tratando em saber lidar com a dor de ser deixada, quando nos sentimos rejeitadas, abandonadas, vulneráveis e tolhidas.

Não importa se era paixão ou amor ou qualquer outro sentimento, quando caminhamos com alguém de mãos dadas por um certo tempo e esse alguém decide soltar nossa mão, parece que o chão se abre embaixo dos pés. O sol escurece, seus sonhos viram pó, seus planos já não importam, nada faz mais sentido quando sentimos a dor do término de uma relação, quando alguém nos deixa ou, principalmente, deixa de nos amar…

Não adianta fazer perguntas, procurar sentido, respostas, nem se culpar. Nessas horas, por mais difícil que seja caminhar, é necessário compreender uma única verdade: vai passar. Dure o tempo que durar, essa dor vai passar.

Quando o dia se vai tudo escurece. As folhas das árvores viram sombra, o céu fica cinzento, um silêncio angustiante começa a pairar no ar e vem aquela saudade do brilho da manhã, da cor do céu, dos pássaros a cantar. Uma angústia nos invade comprimindo o peito, sufocando a garganta e nos afogando em lágrimas que parecem que jamais serão vistas ou ouvidas. Já não importa, ela está certa de sua decisão e resolveu seguir sem mim…

É assim que nos sentimos todos os dias, como o dia que morre para a noite. O que fazer agora? Então temos duas opções, certo? Errado. Geralmente recorremos a duas alternativas básicas. A primeira seria passar dias em cima de uma cama se entregando à depressão, esperando que essa dor dilacerante acabe ou que um milagre aconteça; a segunda seria tentar se distrair para ocupar a cabeça e esquecer o amor que vive dentro de você.

Acontece que nem um milagre irá acontecer e nem um amor se esquece ou se supera da noite para o dia. Temos então, na verdade, mais opções que essas duas. Aí eu fico me perguntando qual o sentido de “distrair”. Seria o de tentar se esquivar do sofrimento?

Segundo Dalai Lama, nosso pensamento e instinto primeiro é o de fugir do sofrimento e buscar uma felicidade eterna, o que não é possível. A fuga não diminui a dor, ela apenas soterra, engana. E a felicidade não é algo a ser perseguido durante toda a vida à espera de que um dia ela surja para a eternidade como num passe de mágica.

A felicidade, minhas caras, lembrem-se, existe a cada segundo, nas pequenas coisas. Até mesmo na lembrança dos sorrisos da mulher que você ama, mesmo que ela não esteja mais ao seu lado. O ideal é se deixar sofrer e se acostumar com o sofrimento como algo inevitável e até mesmo por um lado bom. É somente através dele que há superação e aprendizado.

O problema é que fomos acostumadas a lidar com o sofrimento como algo que deve ser evitado, expurgado. Mas a melhor forma de superá-lo é vivendo-o. Se você sofre agora, deixe o sofrimento vir. Chore, soluce, se empanturre de comida, xingue, se lamente. O importante é se deixar sentir e se expressar. Mas lembre-se que nem tentar distrair a dor nem se entregar a ela a farão passar. Somente o tempo poderá fazer algo por você e isso eu tenho certeza de que cada uma aqui já experimentou.

O tempo é poderoso, é preciso se aliar a ele trabalhando esse olhar de que o sofrimento faz parte da vida onde tudo é transitório – e tudo o que é transitório e se vai um dia, dói. Mas é a natureza da vida. É preciso compreendê-la e respeitá-la. Não adianta ir contra, que assim haverá mais dor e o tempo perdido será ainda maior.

Quando o namoro acaba, terá mesmo morrido o que se foi? O que vocês viveram nunca morrerá porque agora vocês são a soma uma da outra. E acreditem, por mais dor e peso que estejam sentindo, por mais que pareça que um buraco lhe foi feito no peito, que um pedaço seu tenha partido, ainda assim vai passar.

É possível se escolher o que sente e a maneira como se vive. A melhor delas? Aceitar o sofrimento e ver nele a possibilidade de aprendizado e melhora. A dor não vai embora do dia pra noite, mas a forma como você lida com ela vai fazer a diferença.

Deixo aqui uma poesia que, na minha opinião, é uma das mais bonitas dos últimos tempos.

DO AMOR
(Gibran Khalil Gibran)

Quando o amor vos chamar, segui
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei
Embora a espada oculta na sua plumagem possa feri-lo
E quando ele vos falar, acreditai nele
Embora a sua voz possa despedaçar os seus sonhos
Como o vento devasta o jardim
Pois da mesma forma que o amor vos coroa
Assim ele vos crucifica
E da mesma forma que contribui para o vosso crescimento, trabalha para a vossa poda
E da mesma forma que alcança vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol
Assim também desde até vossas raízes e as sacode no seu apego à terra
Como feixes de trigo ele vos aperta junto ao seu coração
Ele vos debulha para expor a vossa nudez
Ele vos peneira para libertai-vos das palhas
Ele vos mói até extrema brancura
Ele vos amassa até que vos tornei maleáveis
Então ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no místico banquete divino
Todas essas coisas o amor operará em vós para que conheçais os segredos de vossos corações
E com este conhecimento vos convertais no pão místico do banquete divino
Todavia, se no vosso temor procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor
Então seria melhor
Então seria melhor para vós que cobrisses a sua nudez e abandonasses a ira do amor
Para entrar num mundo sem estações onde rireis,mas nem todos os vossos risos
E chorareis ,mas não todas as vossas lagrimas
O amor nada dá, se não de si próprio
Nada recebe,se não de si próprio
O amor não possui, nem se deixa possuir
Pois o amor basta-se a si mesmo
Quando um de vós ama que não diga: Deus está em meu coração
Mas que diga antes: eu estou no coração de Deus
Não achais que possas dirigir o curso do amor
Pois o amor se vos achar dignos
Determinará ele próprio o vosso curso
O amor não tem outro desejo, se não o de atingir a sua plenitude
Se contudo amardes e precisardes ter desejos, sejam esses os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho que canta a sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos pela vossa própria compreensão do amor;
De sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordastes na aurora com o coração alado e agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio dia e meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes pra casa à noite com gratidão
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem amado
E nos lábios uma canção de bem-aventurança

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