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A droga da homofobia internalizada

Assisti dia desses o filme “Em Busca da Felicidade” com o competente e lindo Will Smith como protagonista. Emocionei-me com a saga de um negro, pai de filho único, abandonado pela esposa por não conseguir sustentar sua família. Chris Gardner, o personagem, era o manjado “loser” americano: falido, negro, sem um diploma de terceiro grau. Como previsto, o final feliz chega, mas até isso acontecer, o filme denuncia o quanto uma sociedade pode ser cruel com os cidadãos postos à margem.

Percebe-se no desenrolar da história que Chris Gardner não foi adestrado para vencer. Algumas informações sobre ele aparecem pouco a pouco no desenrolar da saga: nasceu numa pequena cidade, filho de pobres, educado no sistema público de ensino e ouviu de muitos, na medida em que crescia, “não” como resposta. Em determinado momento ele diz ao filho: “Não deixe que ninguém te proíba de algo que você deseja” ou algo muito semelhante. Tais palavras revelaram a experiência infeliz de quem foi proibido de muita coisa na vida.

Quando nos colocamos na mesma saga do personagem do Will Smith e buscamos a felicidade, muitas são as barreiras que encontramos e muitos são os obstáculos que temos que saltar. Ser feliz até parece devaneio, para muitos. No entanto, eu acredito que os que acreditam na impossibilidade da felicidade é uma minoria; a maioria se encontra na busca da tal felicidade e essa busca, na verdade, é o combustível que sustém a vida.

Pensando na tal busca pela felicidade, pois também sou um dos que estão nesta saga, compreendi que jamais encontraremos a felicidade, principalmente nós, o povo LGBT, se não nos desintoxicarmos.

Busquei nos dois dicionários mais vendidos da nossa língua a palavra ‘tóxico’ e encontrei: “(1) que ou o que produz efeitos nocivos no organismo; (2) que ou o que contém veneno; (3) que se deve à presença de veneno no organismo; (4) veneno, peçonha; (5) substâncias nocivas ao organismo que produz alterações físicas e/ou psíquicas diversas, podendo causar sérias modificações de comportamento além de, comumente, gerar dependência.”

A etimologia latina de ‘toxicum’, segundo o Houaiss, é: “veneno em que embebiam as setas; qualquer veneno”.

Embora eu faça parte da turma que acha droga uma droga, eu não estou me referindo aqui à cocaína, nem à “bala”, nem a quaisquer dessas que encontramos à venda nas esquinas do Brasil. Essas também causam danos de ordem física e psíquica, também são venenos, também são letais, principalmente quando aditivadas por outras substâncias. Estou aqui me referindo ao tipo de veneno, de peçonha que traficantes não vendem. Estou me referindo ao tipo de veneno que também causa dependência e que também é letal chamado “homofobia internalizada”. Você já ouviu falar disso?

A homofobia é uma poderosa droga injetada na veia do povo desde a infância. Começa na família: “prefiro um filho no cemitério a um filho gay”. Na escola também: “Fulano é viadinho (sic)”, “tome jeito de macho”, “mariquinha”, “sapatinha”, “chinelinha (sic)” etc. Nas igrejas cristãs fundamentalistas, muitas pessoas, principalmente padres e pastores vivem com o poderoso veneno à língua, prontos para a injeção peçonhenta: “Ser gay é pecado”, “homossexualismo (sic) é abominação”, “os efeminados não herdarão o reino dos céus”… Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais crescemos tomando doses cavalares deste tipo de droga chamada homofobia.

Nós internalizamos todo esse tóxico no mais profundo do nosso ser; e quando nos descobrimos LGBTs, esta peçonha injetada vira um imenso obstáculo à nossa busca pela felicidade, pois não pode existir felicidade onde não existe autocompreensão, autoaceitação. A homofobia internalizada é letal também: muitos de nós tentamos o suicídio, alguns conseguem; outros se jogam de uma forma tão voraz no mundo, dão tanta vazão à pulsão de morte que acabam encontrando-a nas mãos de um assassino. Outros se suicidam aos poucos, então buscam os perigos da madrugada em locais ermos; outros se lançam às demais drogas… São muitos os efeitos (nocivos e letais) da peçonha homofobia internalizada.

Esta droga também causa dependência. Tenho encontrado muitos LGBTs viciados na homofobia internalizada. Há três anos ministro um seminário sobre bíblia e homossexualidade e seja no Rio de Janeiro ou em São Paulo, sempre encontro um gay ou uma lésbica, que após longas horas de estudos, chegam para mim e dizem: “eu queria muito acreditar que Deus não condena; tudo o que você fala é até coerente, mas eu não consigo acreditar!”

Há poucos dias eu recebi um e-mail de um leitor nosso aqui no A Capa; nele, dizia o autor: “Eu gostaria muito de crer neste Deus que você crê, gostaria muito de ficar em paz comigo mesmo, mas não consigo: sou uma abominação para minha família, uma vergonha para meus pais, um digno de morte para Deus”.

Eu não tenho dúvidas do grau de dependência que a homofobia internalizada é capaz de gerar, tampouco da sua altíssima carga letal: e não apenas em LGBTs criados à sombra de uma religião! Meu trabalho tem sido desintoxicar LGBTs dessa peçonha injetada em nós pelas flechas envenenadas das nossas famílias, igrejas, enfim, nossa sociedade. Tenho visto gente tendo êxito na desintoxicação deste poderoso veneno; contudo, também tenho visto muitos sucumbirem ao tratamento, preferindo a escuridão, o “não-ser”, desistindo da busca pela felicidade.

Meu povo, é possível a cura! Existe o antídoto para esta peçonha! O remédio nem é amargo, pois o amor próprio é doce como o mel. A autoaceitação não queima, não arde, não dá enjoos. Este remédio não se vende e não há dinheiro que compre. Você só o encontrará quando decidir enfrentar a si mesmo e visitar os quartos escuros do teu ser, jogando sobre eles a luz do amor próprio. A desintoxicação é possível e é real!

Outro poderoso remédio é o conhecimento: é preciso buscar informação, ler e estudar tudo o que nos é pertinente. Em 2010 entre neste projeto. Desintoxique-se da homofobia internalizada e conte comigo para isso! Tenha paz em todo o teu ser! Feliz ano novo!

* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro – uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é: revretamero@betelrj.com.

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