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A Era da sexopolítica ou do micropoder

A sexopolítica é uma técnica da biopolítica que visa normalizar as condutas sociais dos corpos. Tal técnica é desenvolvida e aprimorada desde o século XVII, quando as instituições da ciência, religião, mercado, política e hoje, a televisão, se uniram em torno de um projeto/ discurso que produz Pacotes de Estilo de Vida. Estabelece-se modus de viver, no seio deste produto está a vida em torno da heteronormatividade, da fecundação e do patrimônio. Desde então, os corpos que vivem fora deste esquema estão na marginalidade.

O desenvolvimento da sexopolítica é contínuo e ao longo da história foi ganhando novos contornos e novos meios. No Brasil o grande aliado desta técnica de poder é a televisão, que desde os anos 60 aplica uma pedagogia que perpassa pelo sexo, família, consumo e palavras. Com a redemocratização do país nos anos 80, os partidos políticos descobriram que a TV poderia ser uma grande aliada para a disseminação de seus ideários programáticos. Em meados dos anos 90, estes partidos também descobrem que as técnicas da publicidade também poderia ser uma ótima ferramenta para a conquista do poder.

Com isso as campanhas ideológicas foram dando espaço às campanhas publicitárias. Hoje, quando assistimos aos programas eleitorais não sabemos se estamos diante de curtas-metragens ou programas políticos. A partir de então, a televisão seria a grande responsável pela a aplicação dos conceitos da biopolítica no cotidiano brasileiro e isso não apenas pelos programas políticos, mas principalmente pelas telenovelas, o produto mais consumido pelos lares brasileiros. Criou-se uma legalidade a partir dos folhetins: se passou pela novela é por que tal comportamento deve ser agregado ao nosso cotidiano, ou, pelo menos ser discutido se queremos ou não tal espécie entre nós.

E com isso temos uma pedagogia televisionada dos corpos e de seus viveres. As novelas da Rede Globo desde os anos 70 apresentam personagens homossexuais, porém, a cada década uma maneira de ser. Nos anos 70 temos a homossexualidade na marginalidade, nos anos 80 personagens caricatos ou que apenas servem de apoio para personagens comediantes, nos anos 90 algum avanço, onde tais representações começam a ganhar narrativa própria e nesta primeira década do século XX os homossexuais do folhetim televisivo ganham histórias com começo, meio e fim. Porém, serão legalizados os sujeitos dentro de uma norma: higienizados, que almejam o casamento e normatizados. Eis aí mais uma técnica da biopolítica/ sexopolítica.

A partir do momento que o movimento social em prol dos direitos para os sujeitos que não fazem parte da sociedade da fecundação, os ideólogos neo-liberais entendem não ser mais possível ignorar tal forma de existência, por mais abjeta que seja. Se é para tê-los entre nós, que seja dentro de nosso projeto. Assim, os partidos liberais assumem a pauta gay: casamento civil, bens em comum… Ou seja, levando-os pra dentro de seu programa. Porém, uma leva de sujeitos não reprodutores será levada à margem mais uma vez, mas agora com duas sociedades do outro lado: a homo e a hetero-normativa. Falamos dos sujeitos abjeto, ou contra-hegemônicos. Por fim, falamos de uma multidão.

O micropoder e o projeto fundamentalista
O Brasil vive neste momento a aliança entre os partidos políticos e os grupos fundamentalistas, que se organizaram e ocuparam os parlamentos ao redor do país. Enquanto os partidos da hegemonia buscam tais grupos por conta de seu poder de voto, nas Câmaras e nas eleições, as agremiações de cunho religioso se aliam aos partidos para se alavancarem e impor a sua agenda.

A agenda dos fundamentalistas religiosos é o exemplo mais claro da aplicação da biopolítica e do micropoder. Nas ultimas semanas acompanhamos as negociações entre PT e PSD, que ainda deixa muita gente perplexa. O PSD, depois de quase fechar uma aliança com o PT, voltou atrás, pois José Serra pode entrar na cena pela disputa da prefeitura da cidade de São Paulo. Agora, o porta voz do PSD, Kassab, diz que não se aliar ao PT pode atrapalhar o projeto nacional de poder do PSD…

Os articuladores do Partido dos Trabalhadores, depois de assistirem a derrota da aliança, agora dizem que necessitam rever a estratégia em torno do seu candidato para a cidade de São Paulo, dizem que precisam se aproximar dos partidos/ grupos religiosos. O PT, que antes se encontrava na vanguarda de políticas sobre o gênero, agora decide que é mais vantajoso lutar pelo poder do que por um projeto de sociedade, mas isso apenas do lado deles, pois, os fundamentalistas lutam por uma sociedade.

Tudo está entrelaçado. Assim como a partir de produtos de cultura a televisão aplicou e aplica fantasmagoricamente a sexopolítica, os agrupamentos religiosos também encontraram neste meio a ferramenta chave para disseminar o seu projeto de sociedade… Nem os liberais foram tão exitosos no seu projeto de controle dos corpos. Nesta primeira década do século XXI acompanhamos o crescimento vertiginoso de canais que, inconstitucionalmente sublocam os seus espaços para os grupos fundamentalistas que a partir daí iniciaram a implementação de uma sociedade reprodutora, saudável, heteronormativa e com algo a mais: a religião enquanto fio condutor e discursivo da sociedade. É a sexopolítica regrada de ideias fundamentalistas.

Durante os séculos XIX e XX os partidos políticos de esquerda foram os espaços onde se reuniram os sujeitos da resistência, hoje estes corpos também se tornaram abjetos para tais partidos. O projeto de transformação da sociedade foi abandonado por um projeto de poder que começa a ganhar contornos de projeto por uma sociedade teocrática. Basta analisarmos o governo Dilma Rousseff e sua agenda pautada pela bancada evangélica. Dentro do sistema do liberalismo e de sua biopolítica, não há partido, por mais progressista que seja, que resista a sua agenda macro e micro, pois, é partir destes dois mecanismos que as estruturas dos espaços progressistas são carcomidas.

É preciso repensar as formas e práticas de resistência e como subverter esta técnica política da normalidade por uma sociedade anormal e esquisita.

Referências:
Nascimento da Biopolítica, Michel Foucault
Multidões Queer, Beatriz Preciado

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