Depois de divulgar uma lista sobre as melhores empresas de tecnologia para LGBT trabalharem, muitos leitores questionaram a validade da lista para o Brasil. Afinal, segundo muitos relatos de profissionais, o apoio à causa LGBT de multinacionais nem sempre se aplicam às empresas brasileiras.
+ 38% das empresas tem restrição de contratar gays
"Sou contratado de uma dessas empresas no Brasil e fui orientado por um superior a não dizer que sou gay, pois caso contrário perderia uma promoção", revela Fernando C. ao A CAPA, recebendo pouco depois o prometido. "Fico triste por ter que viver um personagem no trabalho".
De acordo com a pesquisa da consultoria Santo Caos, 40% dos trabalhadores LGB brasileiros já declararam sofrer discriminação no ambiente de trabalho, 54% acreditam que existe preconceito no ambiente e 13% acreditam que já tiveram dificuldade de encontrar um emprego pelo preconceito. Das empresas entrevistadas, 38% delas admitem ter restrições para contratar LGB.
"Trabalhava como vendedor de uma importante loja de roupas do Shopping Higienópolis, arrasava nas vendas e vários clientes me adoravam. Mas certo dia o gerente me chamou em um canto e falou para eu parar de dar pinta. Me senti humilhado e pedi as contas", diz Wellignton S., que abriu um processo contra a loja. Ele declara que já sofreu perseguição em outros momentos. "Os chefes te aceitam como gay desde que você não seja gay, que seja heteronormativo".
Em recente entrevista à Exame, a psiquiatra e coordenadora do Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo, Carmita Abdo falou que busca pela imagem do hétero pai de família – que seria o espelho da empresa – é tão forte que muitos executivos gays acabam optando por uma vida dupla, casando com mulher e tendo filhos para preservar a carreira. "Infelizmente é essa arma do executivo que sabe da preferência pelos heterossexuais na hora de preencher altos cargos nas empresas".
MUDANÇAS EM PASSOS LENTOS
Delas, 15 empresas já assinaram o compromisso de incluir respeito a LGBT e promover direitos igualitários e de combate ao preconceito. Anotem: Carrefour, IBM, P&G, Accenture, Basf, Caixa, HSBC, GE, DuPont, Dow, PwC, Pfizer, Whirlpool e Monsanto.
A Caixa Econômica Federal seria a 16ª empresa a apoiar. Ela chegou a assinar o compromisso, mas recuou porque tem "regras específicas para patrocinar eventos", destacando que continua de olho na causa.
Em junho deste ano, ocorreu um evento da consultoria americana McKinsey – que aborda temas da diversidade sexual e de gênero – com 120 estudantes da Fundação Getúlio Vargas. A empresa dos EUA conseguiu seis empresas no Brasil dispostas a discutir o tema: o Facebook, o Google, JP Morgan, Goldman Sachs, a Dow Química, que tem 2% de funcionários que se identificam como LGBT.
A gigante brasileira de bebidas Ambev fecha a lista de empresas que discutiram o tema. Mas, de acordo recente reportagem do Estado de São Paulo, a empresa não quer falar sobre a discussão e apoio. Nos bastidores comenta-se que não há debate amplo na companhia sobre a diverdade, apesar de os estudantes que participaram do encontro ter elogiado o posicionamento da empresa.
NÃO É SÓ RECONHECER O PARCEIRO
A luta também é para que pessoas soropositivas não sejam discriminadas tampouco demitidas por motivações preconceituosas ou que escondam o preconceito.
Já quando se fala da população T – travestis, mulheres transexuais, homens trans e outras transgeneridades – a luta é pelo básico: oportunidade de emprego, respeito ao nome social e a identidade de gênero. Embora não haja dados oficiais, a ANTRA – Articulação Nacional das Travestis e Transexuais – estima-se que mais de 90% do grupo trabalha na prostituição, muitas vezes devido ao preconceito e a exclusão.
Bárbara Aires, que é uma mulher transexual, chegou a trabalhar como produtora da TV Globo, mas diz que a transfobia dificulta se inserir e se manter no mercado formal de trabalho. "Trabalhava em um clube de SP, mas quando comecei a trabalhar de menina, fui mandada embora porque a 'a casa não comportava pessoas como eu'. Comecei no mercado do sexo depois de procurar e não conseguir emprego. Entrei para a militância e fui contratada pela Globo no programa Amor e Sexo, onde fiquei dois anos. Mas o roteirista foi para outro programa e o atual não me chamou. E lá se vão quase 2 anos entregando currículos".
A secretária Kimberly Luciana Dias, que é travesti, é uma exceção. Ela trabalha na SP Escola de Teatro, que tem em seu estatuto uma cota de 10% das vagas para profissionais trans, algo inédito no Brasil. "Estar inserida no mercado de trabalho significar ter direito igualitário, ter dignifica e ser reconhecida como cidadã perante a sociedade. Estou feliz, mas só eu sei o caminho longo e de espinhos que passei para chegar até aqui".
Apesar do atraso em comparação às multinacionais, pode-se esperar transformações nas empresas no Brasil.
Com a visibilidade em programas de inclusão e sensibilização, capacitação de empresas – como a cartilha do Carrefour – posicionamentos de empresas – vide O Boticário, Leite de Rosas… – exemplos de profissionais LGBT de sucesso – como Tim Cook, CEO da Apple – e a conquista de leis que assegurem os direitos igualitários – bem como o casamento – o preconceito vai se desintegrando.
E os LGBT poderão num futuro próximo, desfrutar de uma vida profissional e pessoal saudáveis. Mais ainda sem previsão.