Este final de semana, meu namorado e eu fomos ao supermercado. Entre outras coisas, fomos comprar ovos de Páscoa. Sim, não resistimos à orgia dos ovos de chocolate e compramos o mesmo tanto de chocolate, só que um preço no mínimo três vezes maior. Enfim, coisas de seres sociais que estão de alguma forma inseridos nos rituais de passagem que se desdobram ano a ano em nossa sociedade.
Mais do que esta verdadeira prostituição do chocolate, o que mais me surpreendeu na ida ao supermercado foi a quantidade de "happy family stickers", ou seja, os malditos "adesivos família feliz" que encontrei aplicados nos carros que estavam no estacionamento. Incrível como esses adesivos se transformaram numa verdadeira mania. E isso não é só um fenômeno brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, a febre parece ser a mesma. Aliás, segundo uma breve pesquisa que eu realizara (sim, porque eu consulto o oráculo Google), foi justamente na terra dos yankees que esta bobeira começou. Seria mais um besteirol americano?
E lá vão os adesivos, andando eternamente felizes pela cidade! Papai, mamãe, filhinhos e um bichinho de estimação.
Muito já se falou, sobretudo na grande mídia, acerca dos perigos que tais adesivos e outros podem trazer, como os que informam o curso e a faculdade onde se estuda ou o nome do pequeno rebento que está no interior do carro. Por isso, nem vou entrar neste mérito… Um dia, Peter Burke, um dos historiadores com quem mais me identifiquei na época de faculdade, disse: "Para compreender a história é preciso saber mergulhar sob suas ondas…". Então tá. Vou pegar um maiô phyníssimo, todo trabalhado no paetê e mergulhar no que penso que pode ser a história destes adesivos.
Sempre se percebeu na trajetória humana que, nos momentos mais críticos e difíceis, as sociedades têm a tendência de se comportarem de maneira mais conservadora, mais controlada, com receio do que possa acontecer. Ao contrário disso, nos momentos em que o mundo está mais tranquilo, as pessoas tendem a ser mais liberais e a arriscarem mais. Bom, o fato é que os Estados Unidos saíram de um governo bem conservador como o de Bush e os americanos resolveram eleger Obama como uma possível salvação para a política americana, sobretudo a política externa, uma vez que o ex-presidente não era lá pessoa muito querida pelo mundo afora (se não fosse aquele repórter, eu mesma teria lançado um sapato nele, ou melhor, um salto Prada belíssimo)… No entanto, a vitória de Obama não foi assim tão disparada, e boa parte da sociedade americana preferia a continuação do conservadorismo da era Bush. Diferente do ex-presidente, Obama tem se mostrado a favor dos direitos dos homossexuais e não duvido nada que estes adesivos tenham surgido de uma cabecinha bastante maléfica como resposta às posições do atual presidente.
"Bicha, a senhora tá sequelada?" – poderia dizer alguém e continuar: "… são apenas adesivos que retratam como está estruturada aquela família que vai naquele carro."
É verdade… É apenas um desenho, um adesivo. Mas não percamos de vista, meus amores, que a igreja conseguiu passar sua doutrina e seus dogmas durante séculos, através de pinturas, quadros, vitrais e ilustrações para pessoas que sequer sabiam ler e escrever. E para mim, esses adesivos também contém uma mensagem latente. E vindo da terra do Tio Sam, é bem fácil pensar que seja uma campanha barata (nos dois sentidos) para os conservadores combaterem o discurso simpatizante de Obama. Afinal, através de um simples desenho, vai se incutindo no inconsciente das pessoas que família é só isso: um pai, uma mãe e os filhos, excluindo-se, assim, qualquer outra estrutura de família, como as famílias monoparentais, formadas por pais e mães divorciados, ou então mães solteiras. Exclui-se também as famílias formadas por avôs e netos, as famílias formadas por irmãos somente. Excluíi-se as famílias formadas por casais sem filhos e, principalmente, exclui-se as famílias alternativas como as que são formadas por casais homossexuais.
Não podemos negar que, de alguma forma, trata-se de um discurso (hipócrita ou não, intencional ou não) de dar satisfações à sociedade e dizer que está se vivendo segundo o padrão heteronormativo imposto. Alguém pode dizer: mas podemos colocar dois homens ou duas mulheres e construir a família homossexual. Está certo, só que aí esbarramos em duas coisas, pra começar: primeiro, corre-se o risco de, quando voltar para pegar o carro, encontrá-lo riscado, por exemplo, segundo, ao fazer tal coisa estamos, também, afirmando que o padrão heterossexual de família é o padrão perfeito e aceito.
Para mim não passa de uma neocatequização… Do mesmo jeito que o coelho, os ovos e a Páscoa. Passados três séculos, ainda estamos vivendo os desdobramentos da teocracia da Idade Média… Oh, meu pai, ajuda…
Tá dado o recado… Beijo, beijo, beijo… Fui…
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