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A formação da união estável homoafetiva e suas implicações práticas

O conceito de família que tínhamos até não muito tempo atrás se baseava no anterior Código Civil, que datava do ano de 1916, segundo o qual a família se constituía pelo matrimônio, tido este como o vínculo indissolúvel entre um homem e uma mulher, com o fim de gerar filhos. Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual consagrou o princípio da pluralidade das formas de família, temos que a essência da formação de um núcleo familiar passou a ser o afeto, e não mais a procriação da espécie.

Foi basicamente com estes fundamentos – o princípio da pluralidade das formas de família e a afetividade como núcleo formador da família – que o Supremo Tribunal Federal, julgando duas ações de controle de constitucionalidade, em decisão unânime, deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil vigente, para reconhecer a união homoafetiva como entidade familiar, equiparando-a à união estável heteroafetiva.

Há quem critique a decisão da Suprema Corte sob o argumento de ativismo judicial, dizendo que caberia somente ao legislador tratar desta questão. Ouso discordar. Essa mesma crítica foi feita quando o Supremo editou a Súmula 380, em meados de 1964 – treze anos antes da edição da Lei do Divórcio, portanto -, a qual reconhece direitos aos companheiros que viviam em união estável heteroafetiva.

Primeiramente, devemos dizer que a união estável constitui-se como a entidade não matrimonial constituída a partir de uma convivência pública, contínua e duradoura de duas pessoas, vivendo ou não sob o mesmo teto, com o fim de constituir família.

A partir do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e de sua equiparação à união estável heteroafetiva, dúvidas têm surgido com relação aos efeitos desta mudança.

A mais sensível de todas, como temos ressaltado, foi o seu reconhecimento como entidade familiar, vez que, até então, era tratada como mera sociedade de fato e, portanto, quando de sua dissolução, seja pelo fim da relação, seja pela morte de um dos companheiros, para que fosse possível a partilha de bens, era necessário comprovar participação no esforço comum para formação do patrimônio, sendo que eventual litígio tramitava, até então, numa Vara Cível. Vejam que este mesmo processo evolutivo se deu com as relações não matrimoniais heteroafetivas, tendo primeiro surgido o concubinato, tratado também como sociedade de fato num primeiro momento, vindo a alcançar seu reconhecimento como entidade familiar somente com a Constituição Federal de 1988.

Para disciplinar os efeitos da união, o casal pode fazê-lo através de um "contrato de convivência", seja por documento particular ou por escritura pública, ambos lavrados em Cartório de Notas. Existe ainda a possibilidade de que isso seja homologado perante o Poder Judiciário, seja no setor pré-processual (na cidade onde já tiver sido instalado), ou através de ação judicial, hipóteses nas quais a união é reconhecida por sentença.

O que se pretende, por qualquer destes instrumentos, é, primeiramente, imprimir maior publicidade à união estável, além de fixar regras com relação ao regime de bens que irá regular a união (lembrando que a regra geral é o regime da comunhão parcial de bens, na hipótese de o casal não escolher outro), bem como com relação aos filhos, alimentos, entre outras questões, servindo também para fins de inclusão do companheiro como dependente perante a Previdência, bem como na Declaração Anual de Imposto de Renda.

Importante salientar que, se porventura o casal optar por não disciplinar a união estável, quando de sua eventual dissolução, ou vindo um dos companheiros a faltar, embora seja possível provar a união, a dificuldade e o desgaste acabam sendo bem maiores.

A dissolução, por sua vez, caso seja amigável, não gera muitos problemas, na medida em que os companheiros podem, eles próprios, partilhar os bens, fixar a guarda, o direito de visita e os alimentos, caso tenham filhos, bem como, eventualmente, alimentos ao companheiro necessitado.

Contudo, como em grande parte dos casos a dissolução não é amigável, ou principalmente quando um dos companheiros vem a falecer, tendo sido regulamentada a união por qualquer dos instrumentos anteriormente mencionados, as coisas se tornam, como visto, mais fáceis, na medida em que já existem regras pré-estabelecidas.

Veja-se que a partir do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e de sua equiparação à união estável, não existe mais a necessidade de provar o esforço comum na aquisição do patrimônio, para se ter direito à partilha de bens, uma vez que este passa a ser presumido. Ademais, na hipótese de um dos companheiros falecer, o outro passa a ter direito real de habitação sobre o imóvel de residência do casal, enquanto viver, sendo indiscutível que qualquer litígio atinente a estas questões será decidido perante uma Vara de Família.

Uma última questão a ser tratada consiste na possibilidade de converter a união estável devidamente regulamentada, em casamento, o que é permitido nas uniões heteroafetivas. Existem algumas decisões pioneiras neste sentido, ao argumento de que a Constituição determina que seja facilitada a conversão da união estável em casamento. Contudo, ao que tudo indica, este não parece ser o entendimento que vá prevalecer. Embora o argumento utilizado pelos juízes para não autorizar a conversão reside no fato de a lei exigir diversidade de sexos para o casamento, acredito haver um obstáculo anterior. Com efeito, quando o STF reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar o fez dando os mesmos efeitos da união estável, vale dizer, caso quisesse dar os mesmos efeitos do casamento a teria equiparado ao casamento, e não à união estável como fez.

De todo modo, avançamos – e muito – com o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, mas ainda esperamos que o legislador saia da inércia e edite uma lei para tratar das questões ainda não abrangidas pela união estável, tais como a adoção do nome de família e o direito à celebração do rito de casamento.

Finalizo parafraseando o professor da USP, José Fernando Simão, que ao comentar a decisão do STF, expôs que "vivemos tempos interessantes em que o diferente não é melhor, nem pior, só é diferente".

*Assis Moreira Silva Junior é Advogado; Membro do IBDFAM; Conciliador junto ao Setor de Conciliação das Varas de Família da Comarca de Bauru/SP; Professor de curso preparatório para o Exame da OAB; Mestrando em Direito e Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil, ambos pela ITE/Bauru.

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