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“A função da lei não é apenas punir, mas prevenir”, diz autor da lei anti-homofobia paulista

Renato Simões exerceu três mandatos enquanto deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo. Em sua última atuação como parlamentar teve aprovada e sancionada a lei 10.948 pelo ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), considerada hoje  a principal conquista do movimento LGBT do estado paulista. 

A lei pune administrativamente estabelecimentos públicos e privados e pessoas que cometam atos discriminatórios contra homossexuais. Hoje, cinco de novembro, completa sete anos de existência. Começou a ganhar a mídia e notoriedade após o caso de Justo Favaretto, que ganhou em última instância indenização de R$14 mil por ser chamado de "viado". A lei também foi responsável por duas condenações sofridas pelo mercado Carrefour.  

A respeito de sua real significância para a comunidade LGBT, Renato Simões, hoje Secretário dos Movimentos Sociais e Políticas Setoriais do PT , respondeu algumas perguntas ao site A Capa. Aqui, ele fala se a lei fez a homofobia diminuir, se é pouco divulgada e também dá sua opinião sobre o PLC 122.  

Quando o senhor apresentou o Projeto de Lei, acreditava que fosse passar pela Alesp (Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo) e ser sancionado pelo ex-governador Alckmin?
Sabíamos das dificuldades de aprovar legislações contra a homofobia numa casa conservadora como a Alesp. O governo e a base aliada tinha sido desafiada a um balanço do que foi efetivamente realizado dos compromissos do Programa Estadual dos Direitos Humanos. A III Conferência Estadual de Direitos Humanos levantou um saldo profundamente negativo no que diz respeito às políticas de garantia de direitos dos LGBT. Adotamos uma estratégia parlamentar combinada com o movimento social de baixo perfil, sem grandes alardes que pudessem criar uma polarização com as bancadas mais retrógradas. E aprovamos a matéria dessa forma, numa negociação entre os líderes partidários do final do ano legislativo de 2001, já com o compromisso da Secretaria de Justiça de defender a sanção do projeto, caso aprovado.

A lei foi fruto de uma articulação entre o senhor e  o movimento. Gostaria que comentasse um pouco a respeito dessa articulação.
A partir do momento em que constatamos a omissão do Programa Nacional de Direitos Humanos em relação ao tema dos direitos LGBT e a falta de cumprimento das políticas estaduais contidas no Programa Estadual desde 1997, decidimos ingressar com uma bateria de projetos de leis de competência estadual sobre vários temas: a criação do Conselho Estadual; a legislação sobre os direitos dos/as funcionários/as públicos/as em relação estável; o estabelecimento de datas, como a do Orgulho Gay, da Visibilidade Lésbica e Contra a Homofobia, e esta que pune a homofobia. Ela veio no embate pela criminalização da homofobia, que é matéria federal, mas foi adaptada para punições administrativas compatíveis com a competência estadual, como as advertências, multas e punições a estabelecimentos privados ou órgãos públicos que violam os direitos nela contidos. A aprovação dos pareceres nas comissões temáticas favoráveis ao projeto e a votação em plenário foram acompanhadas pelo movimento, sempre numa atitude mais reservada porém firme na defesa dos seus direitos.

Acredita que desde que a lei foi aprovada, há sete anos, tem sido benéfica aos LGBT?
Acredito que sim. Graças a ela, o tema da homofobia ganhou uma resposta do Estado e casos anteriormente escondidos ganharam publicidade a partir de sanções impostas pela Comissão Especial criada na Secretaria de Justiça do Estado. A visibilidade das atitudes homófobas encorajou vítimas a defenderem seus direitos, a denunciarem as violações e a ganhar parcelas da opinião pública para a solidariedade com os/as que lutam por seus direitos.

A lei é mal divulgada?
Infelizmente sim. Nosso mandato publicou cerca de 1 milhão de exemplares distribuídos nas Paradas do Orgulho Gay em São Paulo, várias entidades do movimento LGBT imprimiram seu texto e orientações de como utilizar a lei, mas a resposta do Estado ainda é muito tímida. A própria lei prevê obrigações do Estado em divulgar amplamente o conteúdo da lei, mas ela ainda permanece desconhecida de muitos órgãos públicos que têm obrigação de orientar as pessoas sobre seus direitos, como as escolas, postos de saúde, delegacias de polícia, entre outras.

Falta a comunidade LGBT se apropriar da lei?
Creio que este é um processo que vem crescendo. Mais gente aciona a lei em defesa de seus direitos, conquistas repercutem, mais gente se anima a denunciar ou promover a lei. Muitos ainda pensam que diante da violação de direitos o mais adequado é o silêncio, a sujeição por vários motivos – o medo, a vergonha, o descrédito de que justiça possa ser feita… Mas, como disse, esse é um processo sem volta, e crescente.

Como o senhor vê estabelecimentos como o Carrefour (punido duas vezes pela lei 10.948) serem condenados?
É muito importante que não só pessoas físicas, mas empresas e órgãos públicos sejam condenados por violações de seus/suas agentes, pois a homofobia não é uma atitude meramente individual. Há um ambiente coletivo e institucional que encoraja esse tipo de comportamento. No caso de empresas privadas, em particular quando o(a) agressor(a) é da segurança da empresa, a condenação mostra que a política corporativa deve ser modificada, pois denota uma orientação equivocada que precisa ser corrigida. E a função da lei não é apenas punir, mas prevenir a homofobia.

O Estado de São Paulo conta com esta lei que, limitada ou não, protege de alguma maneira a população LGBT. Então, gostaria de saber do senhor por que o congresso federal não consegue aprovar o PLC 122?
Acredito que o PLC 122 encontra uma resistência muito grande porque seu alcance é com certeza maior que a da Lei 10.948. Criar um tipo penal para a homofobia é uma tarefa muito árdua, e valorizo a ação dos(as) parlamentares que estão dedicados(as) a esta tarefa. Além disso, o sucesso de leis como a 10.948 também criou uma maior articulação da direita e de setores religiosos fundamentalistas contra avanços na lei federal. Aqui mesmo em São Paulo, é bom lembrar que já derrotamos dois projetos de lei revogando a lei 10.948, de deputados que não se reelegeram – Afanásio Jazadji (DEM) e Daniel Marins (PP) – mas ainda há um terceiro em andamento de autoria do vice-presidente da Assembléia Legislativa, Waldir Agnello (PTB), que lidera o lobby evangélico da Alesp pela revogação da Lei. Por isso, além de lutar por avanços, é preciso que o movimento LGBT não perca de vista a necessidade de preservar as conquistas, vira e mexe ameaçadas por projetos desta natureza.

Efetivamente, a lei estadual diminuiu a homofobia no Estado de São Paulo?
Não temos indicadores para avaliar. As estatísticas oficiais sempre foram de total inoperância para estimar atos homofóbicos em São Paulo e no Brasil. O que se pode avaliar é que vem crescendo o número de denúncias, e que estas vêm sendo tratadas seriamente na Comissão Especial criada para aplicar a Lei 10.948. Mas ainda há muito que se buscar para evitar a homofobia e puni-la exemplarmente quando esta ocorrer.

A polícia militar de São Paulo está preparada para realizar B.Os dentro dessa lei?
Com certeza não, como de resto também não está preparada a Polícia Civil. Movimentos LGBTs vêm sendo convidados para palestras nas Academias de Polícia e para encontros com autoridades policiais. Mas é muito comum que posturas como a homofobia, o sexismo, o racismo, o preconceito de classe se expresse nas repartições policiais quando vitimas de violação

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