"Nasci na Amaral Gurgel, na Santa Casa da Misericórdia. Fui criada no Hotel Amaral Gurgel porque o meu pai o gerenciava, isso até 1994. Aí a minha mãe comprou um apartamento que nós temos até hoje, que fica lá na Avenida Sapopemba", revela Ioio o começo de sua vida.
Aos 14 anos de idade, Ioio conta que já tinha sua sexualidade definida. "Cheguei a ter relação com mulher e com homem, e já sabia do que gostava. Cheguei até perder um filho que morreu enforcado no cordão umbilical". Ioio diz ainda que queria ter a criança, "mas era uma coisa que era pra acontecer". Se tivesse nascido, seu filho teria hoje 14 anos.
Ioio Vieira de Carvalho sempre foi da noite gay. "Ia ver o show da Silvetty, da Gretta Star, que são verdadeiros ícones da noite gay". Assim, ela começou a se espelhar nessas artistas. "Eu via os shows delas e queria fazer também. Foi quando ganhei a minha primeira peruca. Acho que tinha uns 14 anos, e em 2002 tive a primeira oportunidade de fazer uma apresentação". Nessa época, alguns amigos lhe disseram "que poderia investir no show caricato; Que eu tinha jeito para isso e aí surgiu a Ioio Vieira de Carvalho", diz.
A vida, o samba e as amizades
Uma pessoa que muito ajudou a nossa querida Ioio em sua carreira foi Silvetty Montilla, grande amiga de nossa entrevistada, ela conta um pouco sobre essa relação. "Eu sempre ia assistir os shows da Silvetty, quando vi aquela personagem era a minha alimentação para a semana inteira, quando ela gritava ‘Eu tô bonita?’ e ‘Alguém comia?, ou quando ela cantava a música da galinha, que ela lançou na Banda da Rua Aurora e passou a ser um grande sucesso". O primeiro contato pessoal se daria algum tempo depois. "Nos conhecemos alguns anos depois, porque nós duas somos do mundo samba".
Falando em samba, Ioio conta a sua história com o mundo das escolas de samba. "Eu sempre fui do carnaval. União Independente da Vila Prudente foi a primeira escola que participei. Também estive nas escolas do São Lucas e do Sapopemba, foi nesse caminho que conheci a Mocidade Alegre, era uma escola que tinha pouco preconceito e hoje é a escola da minha vida", revela.
Ioio, sem saudosismos, conta o começo da sua vida na noite e faz um comentário sobre o atual cenário. "Mudou muito, a nova geração não está acostumada a ver um show com glamou. Eles não viram as criadoras do bate cabelo que é Marcia Pantera e a finada Verônica". Realista, ela entende que as "coisas mudam e hoje a única coisa que é aceita é o humor. Eu fico triste porque tem tanto artista maravilhoso e as pessoas não entendem nada". Para ela, a única boate que reconhece e abriga esses trabalhos é a Blue Space. "Hoje essa casa é a Rede Globo das bichas. A Danger e o Bar Queen também são uma das poucas casas que insistem em fazer shows".
Ioio cita alguns nomes que hoje são referência em seu trabalho. "Silvetty Montilla, Thalia Bombinha, Nany People e só". De volta ao assunto da noite, ela reflete sobre as coisas que estão piores e melhores. "Melhor é o fato das boates policiarem mais a ‘colocação’. Antes as bichas não se colocavam tanto para ir às boates. Tem muita gente bonita aí se acabando, eu mesma fui uma pessoa que me droguei muito, na verdade era ela [droga] que me usava, mas deixa pra lá…".
Para Ioio Vieira de Carvalho, a vida é um ciclo constante de renovações. "O artista e a pessoa tem que se inovar a cada ano. Hoje eu me inovo, antes eu não ligava pra isso. Faço um show legal para as pessoas e, graças a Deus, conquistei um público legal. Pra tudo isso não preciso de uma colocação".
Sobre as relações amorosas, ela revela que há uma certa confusão entre a Ioio e Orlando, seu verdadeiro nome. "Quando estou montada, estou mulher. Porque a travesti pra ser travesti não precisa de peitos. Então, isso atrapalha um pouco. As pessoas se sentem atraídas pela personagem e não pelo Orlando. Mas o fato de estar sozinho não me incomoda, mas se eles querem aproveitar o corpo da Ioio, eles vão aproveitar".
Seu grande amor Ioio conta que aconteceu em 2003. "Foi quando eu sofri um acidente. Nessa época eu mandei a minha mãe se foder, saí da casa dela e até hoje estou fora de casa, independente e trabalhando. Naquele ano [do acidente], arrumei essa pessoa, e olha só: tirei um carro no nome dela e acabei com o meu nome. Me ferrei e entreguei na mão de Deus, mas ele foi o meu grande amor", diz Ioio que assume que não ter uma companhia faz falta, mas acredita que "o nosso amor é o nosso amigo, porque é aquele que se preocupa com a gente". "Se a gente precisa, eles saem junto, trepam junto e faz tudo junto. Estou sem ninguém hoje por opção".
Ascensão
O ano de 2008 foi de muitas conquistas para sua carreira. No carnaval, Ioio ganhou o título de Miss Carna Gay e foi destaque na Folha Online na época da Parada. "Quando resolvi participar do Rainha do Carna Gay, decidi ir lindíssima e eu nunca me senti tão linda em toda a minha vida. Eu ganhei, mas assim, só tinha duas concorrentes", brinca. Sobre os outros concursos, Ioio diz que já participou, mas perdeu. Mas se orgulha de ter sido "a garota bum bum dourado". "Só ganhei os concursos caricatos e sofridos de bairro", satiriza.
Sobre o crescimento do seu personagem, ela diz que não adianta nada "se não tiver cumplicidade". "Você não pode ser uma pessoa no palco e outra na vida real. O personagem cresceu, legal, mas eu nunca liguei para isso. Quando termino os shows e escuto os aplausos, isso é que me dá força para continuar".
A drag filosofa sobre uma vida futura. "Hoje estou procurando fazer um curso de teatro e tirar o DRT. Já tive uma experiência como atriz, que foi a partir de um convite de Kaká di Polly. No elenco da peça tinha a ‘Simplesmente Nenê’, que deus a tenha, Stefány Brilha e Lilian Paixão, a única apresentadora da extinta Corinto. Me senti ‘café com leite’ no meio dessa gente. Mas ali aprendi muito". Ioio também pretende, em 2009, cursar filosofia em alguma universidade.
Sobre possuir algum sonho, Ioio revela alguns para realizar. "É fazer uma plástica no meu rosto e ter a minha casa própria. Com a plástica eu quero ficar menos feia, porque bonita eu não vou ficar" diz. No quesito família, Ioio diz que "toda a família tem problema, o ser humano não é perfeito se não tiver algum problema".
"Tive várias brigas com o meu irmão mais velho. Eu chegava em casa com o disco da Gretchen e um dia ele quebrou esse disco, eu apanhei e briguei muito, até com irmã minha porque pegava vestido dela, mas isso foi bem no começo, há muito tempo".
Passada a crise por conta de sua orientação sexual, as coisas se ajustaram com a família. "Hoje em dia é uma grande amizade. Meu irmão mais velho está ‘pagando’. O filho dele que está com nove anos, e está com o meu jeito quando eu tinha nove anos. As pessoas pagam nessa vida". Descobre-se então na entrevista, o seu lado religioso. "Sou kardecista e também fui do candomblé, mas eu me encontrei no espiritismo mesmo. As coisas são mais claras para mim".
Ioio opina ainda sobre suas colegas travestis e drags que enveredaram para o mundo da política. "Eu tenho uma amiga que se candidatou, a Salete Campari. A Jacque Chanel e o Léo Áquilla são meus colega de camarim. Acho muito bom ter eles como candidatos, mas nós temos que prestar atenção em quem decorou o discurso de cursinho político e quem está lá de verdade. Dessas, eu admiro a Salete, ela está sempre na Parada, envolvida com militância e quando resolve fazer acontecer, ela faz. Agora tem gente que nem preciso citar o nome, né?", finaliza.