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“A homossexualidade está incorporada em nossa pauta”, diz diretor da MTV

Zico Goes faz parte do grupo fundador da MTV, ou seja, trabalhou para transformar a Music Television Brasil no que é hoje: canal referência para a juventude. Em 2008, depois de 16 anos de casa, Zico deixou a MTV e foi para o GNT, onde foi responsável pela modernização que ainda está em curso.

No final de 2010, a MTV anunciava que Zico estava de volta à emissora. Assim que assumiu o cargo de diretor de programação, entrou no ar uma campanha condenando a homofobia. Aos poucos, a vinheta começou a ganhar fama e hoje circula pelas principais redes sociais.

Goes conversou com a reportagem de A Capa sobre a campanha atual da MTV contra a homofobia e outras campanhas de cunho social que o canal abordou. O diretor de programação relatou ainda os comentários negativos que o canal recebeu quando exibiu o primeiro beijo gay da televisão aberta no programa "Fica Comigo", apresentado por Fernanda Lima em 2001.

Por que vocês resolveram fazer essa campanha?
Cara, acho que a gente até demorou. Historicamente a MTV tem umas bandeiras de conscientizar o jovem sobre uma série de questões: política, prevenção à Aids, violência, sustentabilidade e, de vez em quando, quando há um fato marcante e atual, como essa história (agressões na avenida Paulista), que na verdade não é atual. Infelizmente, não é de agora que caras resolvem bater em homossexuais do nada. Felizmente, conseguimos criar uma campanha de conscientização. Esse tipo de coisa faz parte da missão da MTV: chamar a atenção e dar tapa na cara para o pessoal se ligar.

Os agressores da avenida Paulista eram todos de classe A e B, estudantes do Dante Alighieri e também do colégio Objetivo. Como você observa estes jovens que estudam em escolas progressistas terem tais atitudes?
Vou citar o Roberto de Toledo que é colunista da revista "Veja". Ele escreveu na época em que alguns moleques da classe alta de Brasília atearam fogo em um índio: "por que os caras mataram o índio? Por que pode". Isso ficou na minha cabeça. Esses moleques de classe média acham que podem matar, acham que podem bater no homossexual, tacar fogo no índio… Isso é o exercício do ser mimado elevado a uma potência, pois nem todos os mimados batem em pessoas, mas é o extremo disso. Certamente a relação desses caras com os pais leva a isso também. Na casa deles deve ser assim: pode bater no cara, se bobear o pai deve até apoiar…

O pai de um dos garotos defendeu o filho dizendo que ele foi cantado por um dos agredidos.
Então, ‘foi cantado? Então dá porrada’. Esses caras que têm certa proteção social, pois eles têm mais dinheiro, mais acesso, têm mais visibilidade, têm mais tudo. Eles têm licença, ou melhor, eles acham que têm. E é aí que tem que surgir alguém e acho que nessa parte entra a MTV com a campanha, que até poderia ter sido mais contundente, para dizer: "você, seu idiota (esses caras são uns idiotas), que é a nossa audiência, não pode fazer isso".

A MTV foi o primeiro canal aberto a exibir um beijo no programa Beija Sapo…
Foi no "Fica Comigo", que era apresentado pela Fernanda Lima.

Essa questão do beijo gay é sempre uma polêmica. Em sua opinião, por que as TVs têm tanto receio em exibir um beijo gay?
Porque não pode. Os caras podem bater no gay na rua, mas a TV não pode exibir o beijo gay.

Mas por que não pode?
"Por que pega mal? É feio? O que será que o meu filhinho vai pensar? O meu filho vai virar gay se ver isso". A questão do beijo gay é mais uma ponta do iceberg do preconceito e da conduta supostamente tradicional e, por conta disso, algumas coisas que saem do padrão não podem ser exibidas.

O que você acha do argumento de alguns autores de que o público ainda não está preparado para o beijo gay?
Isso é uma bobagem. O público está preparado para um monte de coisa… Você pode virar a pessoa do avesso, pode ver as piores falcatruas do mundo, coisa que todas as novelas têm, mas o beijo gay eles dizem que já é demais. Isso é pra lá da hipocrisia. É um não flexibilizar de condutas que não tem sentido nenhum. Você pode mostrar uma entrevista do José Sarney. É muito comum você escutar o jornalista dizer, "vamos escutar a opinião do José Sarney". Isso pode, agora mostrar o beijo gay não pode.

Na época em que vocês exibiram o beijo gay teve retorno negativo? A Editora Abril, que está ligada a vocês, reclamou?
Em relação a esse tipo de tema, a Abril não interfere. A audiência reclama, assim com reclama de música. Tem assuntos que são mais polarizados. Mas em caso de campanhas e de homossexualidade, isso é mais dividido ainda e infelizmente, mais duro. Na época do beijo gay, a gente levou uma enxurrada de protestos e foram os nossos próprios jovens (audiência) que reclamaram. Algumas pessoas mais velhas também reclamaram, disseram: "como vocês ousam!". Na época do programa, divulgamos o que ia acontecer e eu recebi um monte de e-mails reclamando. Uma menina de 19 de anos, estudante de jornalismo, que hoje deve ser nossa colega de trabalho, disse que era um absurdo (beijo gay), que aquilo (homossexualidade) é uma doença. Quando a a gente escuta esse tipo de coisa, percebe que tem que fazer mesmo (campanhas). Mas eu me lembro de um outro cara, que era mais velho, acho que tinha uns 50 anos e me mandou um e-mail. Ele falou o seguinte: "eu sou casado, tenho três filhos e eu sou gay. E se esse programa (Fica Comigo) tivesse passado na minha época de adolescente, eu teria feito a escolha de não casar, assumir a minha sexualidade. Teria sido mais feliz". Essa história virou um emblema para nós.

De que maneira a televisão pode ajudar no combate à discriminação às mulheres, negros e gays?
Tem alguns canais de TV aberta tentando trazer essas temáticas para os seus programas. A MTV tem um jeito de trazer essas temáticas, por exemplo, essa campanha (de combate a homofobia). Outros canais abordam mais editorialmente. No roteiro da novela, programas de entrevistas, me parece que esse é um modelo em quase toda TV aberta. E isso é ótimo. E a MTV faz isso porque está em seu editorial e missão. Mas tem uma diferença: normalmente os canais colocam a sua campanha na madrugada, nós colocamos durante a programação. As outras TVs escondem as suas campanhas nas madrugadas e, pior, chamam de merchandising social. Misturam mercantilismo com questão social.

Como é tratada, internamente, a questão da diversidade na MTV?
A MTV por ser uma emissora jovem procura ser a mais abrangente e menos preconceituosa possível. Eventualmente não consegue. É impossível você falar de todos 100%. Mas ela cumpre com o seu papel de trazer à tona e refletir quase todas as manifestações que consegue. Mas é uma prateleira infinita e não cabe tudo. Talvez esteja aí a falha: de não conseguir ser ainda mais plural. Mas também chega uma hora que se você for plural demais, não consegue falar com ninguém.

Existe alguma intenção de colocar o tema da homossexualidade na próxima grade de programação da MTV?
Esse tema está o tempo todo, não só quando acontecer algum fato mais marcante. A homossexualidade é um tema jovem e está incorporada a nossa pauta. Então, ela vai aparecer num programa jornalístico, em reportagens, no programa de música, nos breaks.

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