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“A maioria só tem coragem pra ser bicha dentro da boate”, diz Solange tô Aberta!

São Paulo estará fervilhando cultura neste final de semana. Além da abertura da 28ª Bienal, do Satyrianas e da Mostra de Cinema, acontece na cidade o evento queer "Além do feminismo além do gênero". O festival reunirá na tarde de sábado (25/10), no Espaço Impróprio, bandas gays da cena hardcore e promoverá debates sobre gênero, sexualidade e feminismo.

Na programação está incluída a exibição do filme ‘Bombadeira’, de Luís Carlos Alencar, que trata do processo de transformação corporal de travestis por meio de aplicações clandestinas de silicone com a ajuda de profissionais conhecidas como "bombadeiras". O festival traz a São Paulo a banda curitibana recém-formada Teu Pai Já Sabe?, que toca ao lado do Comma, Nerds Attack e Dominatrix.

A dupla baiana Solange Tô aberta!, formada por Paulo Fraga e Pedro Costa e agora radicada no Rio de Janeiro, também se apresenta no evento por volta das 23h, ao lado da carioca Miami Bros.

Sobre o festival e apresentação do Solange em São Paulo, Paulo Belzebitchy, como Fraga assinou no e-mail, conversou com A Capa. Confira a entrevista a seguir. No final, veja a programação completa do evento.

O que esperar do show do Solange Tô Aberta?
Durante esses dois anos de Solange Tô Aberta! já aconteceu tanta coisa enquanto estávamos no palco, que nem nós sabemos mais o que esperar do nosso show. Tudo é bastante imprevisível, nossa performance, a reação do público… e eu adoro que seja assim! Mas por se tratar de um evento queer no Espaço Impróprio, temos certeza absoluta de que o show vai ser mega prazeroso e divertido. Amamos tocar no Impróprio, as pessoas de lá são gostosas, aliás gostosas não… MUITO GOSTOSAS, em todos os sentidos! (risos)

A mudança para o Rio de Janeiro influenciou o show de vocês? Passaram a contar com mais público? Tiveram mais visibilidade? Ficaram mais funk?

Estamos no Rio há quatro meses, e já podemos dizer que estamos em casa. Fomos muito bem recebidos. Já existia uma galera que acompanhava nosso trabalho há algum tempo, e é gratificante ver que essa galera está aumentando a cada dia. O público carioca é bastante caloroso, se joga sem linha, e nunca deixa a gente sair do palco com menos de uma hora de apresentação. Por isso, tivemos que aumentar o tempo do nosso show. Não acho que mudar pro Rio tenha nos tornado mais funk, porque isso sempre fomos. A diferença é que aqui estamos bem mais próximos de uma realidade que só conhecíamos através de livros, documentários e pesquisas. Existem coisas que você só aprende na prática. A primeira vez que fomos a um baile funk, por exemplo, foi quando passamos a entender que mais do que sexo, o funk é energia, é contagiante! Só uma pessoa sem sensibilidade consegue resistir aquele pancadão, e isso explica totalmente o porquê de muitas pessoas chegarem pra gente dizendo: "eu odeio funk… mas no show de vocês não consigo ficar parada!"

É possível viver de uma banda gay no Brasil?
Independente de qualquer coisa, viver de música no Brasil não é mole. Principalmente pra quem está começando. Seria muito fácil adotar um discurso de vítima e dizer que por assumirmos nossas identidades sexuais tudo é mais difícil para nós. Mas eu seria um tremendo hipócrita se fizesse isso. Acho que os motivos que fazem com que algumas portas se fechem, são exatamente os mesmos que fazem com que outras se abram.  Nós somos independentes, saímos de casa muito cedo, e trabalhamos pra caramba para manter o nosso projeto vivo, mas infelizmente vivemos num sistema escroto! A Solange começou junto com várias outras bandas, e hoje a maioria delas nem existem mais. As dificuldades são muitas, e as coisas realmente não são nada fáceis, mas isso não me assusta e nem me desanima, porque sei que nós também não somos fáceis!

Ainda é difícil ser homossexual assumido na cena punk? Por quê?
Antes de nós já existiam várias outras bandas de hardcore que falavam sobre sexualidade, mas nenhuma fazia isso usando o funk. Agradar é algo que realmente não faz parte das nossas intenções. Tanto que escolhemos o funk justamente pelo fato dele incomodar e gerar desconforto em algumas pessoas.  Nunca direcionamos nosso trabalho para nenhum tipo de púplico específico. Mas grande parte do nosso público está ligada ao movimento anarco-punk. São pessoas que realmente acompanham nosso trabalho, vão a todos os shows, sabem as letras. Confesso que pra mim essa boa aceitação foi uma grande surpresa. Não por sermos gays, mas pelo funk.

Lembro que no primeiro evento anarquista que participamos, fomos a última banda a se apresentar, o local estava lotado. Ficamos super tensos no backstage, porque todas as outras bandas eram de hardcore pesadérrimo, subimos no palco preparados pra tudo, inclusive levar porrada! Mas sabe o que aconteceu? Fizemos um dos nossos melhores shows, e a partir daí nunca mais paramos de participar desses eventos! Fico encantado de ver o respeito com que as pessoas nos tratam. É uma galera extremamente educada e consciente. Sei que gente imbecil e ignorante existe em toda parte, por isso não posso generalizar, mas nunca fomos discriminados nos eventos e lugares anarco que freqüentamos ou nos apresentamos por causa da nossa sexualidade.

Todos os finais de semana o público gay enche boates gls por todo o Brasil. Por que quando é proposto discussões como essa [sobre feminismo e gênero] poucos são os que comparecem?
Te respondo com outras perguntas. Por que no dia da Parada do Orgulho GLBTTT milhares de pessoas saem nas ruas felicíssimas para expressar e vivenciar suas identidades sexuais e, no dia seguinte, tudo volta a ser a mesma merda? Onde será que essas pessoas se escondem nos outros 364 dias do ano? Nas boates? Nas saunas?

Dificilmente vejo casais não-heteronormativos expressando afetividade nas ruas… E se o número de freqüentadores da Parada aumenta a cada ano, só posso crer que não somos minoria! Mas onde será que esse povo se esconde?

Não posso falar quais os motivos dessas pessoas não comparecerem a eventos como este. Mas te garanto que se apenas cinco pessoas vão ao "ALÉM DO FEMINISMO ALÉM DO GENERO" , eu estarei muito mais feliz e orgulhoso por estar tocando pra essas cinco pessoas, do que pras 5 milhões que vão pra Parada, ou pras que lotam essas boates GLS nos fins de semana, digo GLS mesmo, sem os Ts. Porque em algumas dessas boates, travestis, transex, e transgêneros ainda são barradas…

É uma questão de opção, eu não aceito só poder ser o que sou num dia ou local específico e tão pouco me conformo com essa vidinha de merda que a sociedade nos impõe. Mas a grande maioria tá cagando pra isso, e só tem coragem pra ser bicha dentro da boate.

Serviço
"Além do feminismo, Além do gênero"
Show com as bandas Comma, Nerds Attack!, Dominatrix e Teu Pai Já Sabe?
R$6 – 15h
ESPAÇO IMPRÓPRIO
Rua Dona Antonia de Queiroz, 40
Consolação – Travessa da Rua Augusta
Prox. Shop. Frei Caneca

Discotecagem
DJ Bizarra

Debate:
Além do Feminismo, Além do Gênero

Malásia proíbe sexo lésbico

Exército israelense garante direitos aos homossexuais