Certas posições me incomodam, mas não me impedem de ter amizades com as pessoas. Uma delas é: temos que mostrar pra sociedade que somos “normais”. Sempre que escuto tal afirmativa fico pensando: de que normalidade está a se falar? Por acaso seria se unir com alguém, comprar uma casa, viajar nos finais de semana, almoçar de domingo com a família e ter uma aposentadoria tranqüila… Reproduzir o padrão de família heterossexual? Particularmente não considero isso normal e sim normativo.
O filósofo francês Michel Foucault refletiu a respeito do assunto em seu livro “A história das sexualidades, volume 1”. Para Foucault não existe padrão natural e sim algo que é construído a partir dos discursos apregoados pelas instituições de poder. Há uma sequência cronológica para tal imposição. Primeiramente foi a igreja que demonizou as mulheres e as tratou como o sexo frágil e que lhes restava serem donas de casa. Depois veio o discurso médico ao criar a categoria das perversões, nela se incluía os homossexuais. Por último e persistente até hoje veio os discursos das instituições de poder (judiciário e legislativo) que reproduziram as duas visões anteriores em suas cláusulas. Constituição e lei.
Eis o ponto da questão. A normalidade em si não existe, ela foi construída enquanto discurso ideológico, repressor e excludente. São séculos de heteronormatividade que, só viria a ser questionado com a luta feminista a partir do século XIX. Elas foram as primeiras a colocar no debate político e social a questão de gênero e sexualidade. Portanto, vejo como um equivoco desejarmos “provar que somos normais”. Não há o que se provar, e sim o que se exigir. Já que somos humanos tanto quanto os outros, temos os mesmos direitos, portanto não há o que mostrar. A comunidade homossexual é a subversão máxima (pelo menos é assim que deveria ser pensada) daquilo que conhecemos com status quo, ou heteronormatividade. Fórmula de organização social arcaica e homofóbica.
Caim
Na semana passada o escritor português José Saramago lançou a sua nova obra, Caim. Na obra Saramago redime Caim de seu crime, o assassinato de seu irmão Abel e aponta Deus como o responsável pelo ato. Mais uma vez o Nobel da literatura volta a criticar a Igreja Católica.
Um lançamento de Saramago é sempre um grande evento. Nas entrevistas o escritor não perdeu a oportunidade de criticar a bíblia ao dizer que o tal livro serve para destilar ódio, que só retrata coisas negativas como genocídios, pedofilia e ódio. Que não serve para nada.
Essa semana o presidente o Lula concedeu uma excelente entrevista ao jornalista Kenedy Alencar da Folha de São Paulo. Em dado momento, quando o repórter questionou o presidente pela sua re-aproximação com o Collor, Lula disse que é necessário e que, “se Jesus fosse eleito, teria que chamar Judas para fazer aliança”. Pronto.
Lula e Saramago foram esmagados pela imprensa no mundo inteiro. Aqui no Brasil parlamentares da oposição disseram serem desrespeitosas as metáforas do presidente, as entidades religiosas saíram pra defender a imagem puritana de Jesus. Com o escritor português a coisa foi um pouco pior. Os parlamentares conservadores pediram pra que se suspenda a cidadania portuguesa de Saramago. Medo desse povo da religião.
O mais engraçado é que em ambos os casos houve gente gay que achou um absurdo ambas as colocações. Agora é o seguinte, o que esse povo faz quando as instituições religiosas se pronunciam contra os homossexuais? Que dizem que nós somos doentes? Que vamos arder no mármore do inferno? Ficam indignados. Agora quando duas pessoas ousam contestar tal instituição, homossexuais se unem ao coro dos homofóbicos religiosos.
Normatização. Norma…