Decisões judiciais favoráveis pipocaram, gays ganharam espaço na mídia, nas telenovelas e nos filmes. Porque um grupo de corajosos fomentou a Parada lá atrás, hoje consigo andar abraçado, de mãos dadas e beijar meu namorado na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê. Claro que isso não é simples, há os olhares, as ameaças e os xingamentos a se enfrentar diariamente.
Temos aí um distanciamento histórico para analisar a importância da Parada. Hoje, não é possível mensurar quais serão os efeitos da manifestação daqui a 10 anos. Esse poder transformador da Parada, que ajudou a criar um cenário mais tranquilo de respeito e tolerância está diluído nos 3 milhões de pessoas que frequentam o evento. Dá para identificar os desdobramentos mais claros de sua importância, como um "engrossamento" do movimento social, algum reconhecimento jurídico, legislativo e sócio-cultural e o fato de o Brasil ser o país com maior número de Paradas, com cerca de 120 manifestações do tipo.
Por isso, não concordo com algumas críticas que a Parada de São Paulo vem sofrendo esses dias após a realização da sua 13ª edição, no último domingo. A cobertura jornalística ressaltando os furtos e empurra-empurra foi exagerada. As chamadas foram fortes e sensacionalistas, mas os próprios textos das reportagens desmentiam os títulos. Um empurra-empurra causado por cagada de um motorista de ambulância não chega a ser necessariamente responsabilidade da Associação que organiza a manifestação.
Gente bebendo, passando mal e vomitando tinha. Todo ano tem. Em qualquer evento público e grande, vide Virada Cultural, e até algumas pool parties acontecem. Mas era evidente que este ano a quantidade de passa mal estava menor. Reportagem da Folha (só para assinantes), de segunda-feira, trazia o registro de 412 atendimentos médicos. No ano passado, uma nota do G1 trazia o número de 500 atendimentos. Este ano, o G1 publicou que em duas horas 25 pessoas passaram mal e, neste mesmo texto, dizia que ano passado aconteceram mais de 1000 atendimentos. Oi?!
O que podemos aprender com isso? Que as próprias redações não olham para o arquivo de matérias que fizeram no passado para contextualizar e comparar fatos e dados. E que os números podem ser manipulados e distorcidos, dependendo de qual interesse se obedece e de quem é a fonte que divulga essas informações. O que temos então é a experiência empírica aí no meio, uma cobertura um tanto quanto rasa e até uma autopromoção por parte da Associação, em números astronômicos sabe-se lá o porquê.
A Associação divulgou ontem o número de 3 milhões e cem mil na Parada. Lembrando que, nas duas últimas edições, a Parada estava intransitável, com 3 mi e 3,5 mi. Este ano, deve ter tido algo em torno de 2,9 mi, só
Sobre os casos de agressão, incluindo aí a bomba e o espancamento que levou à morte de Marcelo Campos Barros, é outra coisa que não tem como negar. São episódios lamentáveis, tristes e revoltantes. Mas, desculpem-me se isso soar frio, morre bicha todo dia nesse país. A gente cansa de noticiar casos de violências e ataques de skinheads – e estes acontecem infelizmente com mais frequência do que imaginamos. É natural que fiquemos mais indignados com o caso do homem que morreu. A notícia está muito quente e, afinal, poderia ter sido qualquer um. Mas temos que tomar cuidados para não nos deixarmos levar pelo calor da situação. Ou nos esquecemos que em Carapicuíba morreram 14 homens e que apenas cinco pessoas, da organização do ato, foram no protesto pelas vítimas?
Outra coisa a se apontar a respeito das críticas, tanto pelas coberturas dos jornais quanto pelos alardes de alguns blogueiros, é um cuidado com uma possível onda anti-parada, anti-parada na Paulista e pior, anti-Associação. Essa ideia de Parada na mão de empresários é uma tremenda de uma balela e uma grande furada. Parece que temos um iminente conflito de classes circundando o debate, como apontaram Uomini e Tony Goes. Como a "classe média gay" tem "odiado" a manifestação, e os mais pobres "adoram" e veem na Parada uma oportunidade de libertação. E, querendo ou não, apesar de muitas limitações o movimento social está mais preocupado com a democratização do evento do que as iniciativas privadas.
Tive a felicidade de acompanhar um debate sobre a transexualidade na segunda-feira. Lá, a Parada também foi assunto. Um dos debatedores, o psicólogo Murilo Moscheta, fez uma observação muito boa a respeito do tema, que acredito, vale dividir e colocar nessa reflexão. Ele disse que por mais que a Parada se constitua num momento de liberdade, temos que tomar cuidado com esse conceito. "Liberdade não é fazer em um único dia – o da Parada – aquilo que não posso fazer nos outros 364 dias do ano". Ponto para ele. A discussão tem que ser por aí… e é por isso que falei lá no começo do texto sobre o poder transformador da Parada.
Que ela teve o papel de colocar a homossexualidade na ordem do dia, é inegável. Mas, e agora José? O que é que queremos? Embora vivamos sob uma democracia, estamos cada vez mais conservadores. Nesse sentido, nos último anos a Parada tem, sim, se assemelhado com um Carnaval, já que essas ocasiões são as poucas em que podemos extravasar nossas opressões cotidianas. Não que seja ruim, mas não é o suficiente. Uma das pontas que podem ajudar a mudar um pouco a realidade e as mentalidades, é o ciclo de debates, que este ano estão especialmente muito bons, embora a frequência não seja das maiores.
Daí, que chegamos em mais uma pontinha do problema. Alguns dos meus primos e primas (heterossexuais) foram à Parada este ano. Tiraram fotos com as travestis e ferveram com as montadas. Adoraram. Há um tempo, um desses primos reclamou quando passava um filme lésbico na TV a cabo. Uma outra, teima em chamar travesti de "ele". Não por nada, mas temos aí um "probleminha" estrutural de educação. Seria mais útil se minha prima, que está estudando Direito, se preocupasse de alguma forma com, sei lá, mudanças na legislação em prol dos homossexuais, inclusive em facilidade na troca de nome de registros para transexuais, do que ir à Parada se divertir com as drags.