Desde 2010, quando das eleições presidenciais, principalmente no segundo turno, quando o candidato derrotado em um ato de desespero apelou para os setores reacionários da sociedade brasileira, que se não estavam moribundos, estavam no mínimo reservados a sua insignificância frente ao progresso que o país conquistava em vários assuntos ligados a questão dos Direitos Humanos, vivemos uma tensão entre o avanço e o retrocesso obscurantista.
Em sua obsessão para ocupar a cadeira mor do Palácio do Planalto, o candidato derrotado em 2010 se aliou a forças da Opus Deis e aos fundamentalistas da Assembleia de Deus, que tem como o seu líder/ messias o "pastor" Silas Malafaia, hoje representante de tudo que há de mais atrasado e obscurantista na sociedade brasileira.
As eleições findaram e a população elegeu Dilma Rousseff (PT) a primeira presidenta do Brasil, porém, antes de chegar lá a então candidata foi acusada de ser lésbica e abortista. Não que tais nomenclaturas signifiquem demérito para se ocupar a presidência da república… Bom, isto quando falamos da parcela progressista dos sujeitos que acreditam na política ou que, pelo menos acreditam em um Brasil avançado, não apenas na economia, mas também nas liberdades individuais e na convivência entre os diferentes, seja na raça, na etnia e nas sexualidades.
Ressignificando a Sociedade Disciplinar
No ultima quarta-feira (02) foi noticiado que a ação movida pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), na qual pedia retratação do "pastor" Silas Malafaia, foi arquivada pelo juiz Vitório Giuzio Neto, o qual, em seu parecer, disse que as falas do Malafaia não foram preconceituosas, mas que diziam respeito a uma rejeição do pastor por certas atitudes de um grupo e não de seus indivíduos. Pergunto: o que constitui o corpo de uma multidão se não as ações de seus indivíduos?
Por exemplo: o que torna identificável a massa de pessoas reunidas na Marcha para Jesus? Qual é o signo em torno daquela multidão? Oras, trata-se de uma multidão que professa a mesma ideologia. E qual é o signo comum da multidão reunida da Parada Gay? A de que, no mínimo, a maioria ali está para festejar visibilidade por uma sexualidade e orientação sexual ainda posta à margem. Ou seja, o argumento do juiz é tão falho e raso quanto os argumentos do "pastor" em questão. Porém, eles dançam a mesma música.
Na medida em que os direitos dos sujeitos não fecundantes avançam e ganham espaço político, judiciário e até mesmo entre alguns setores religiosos, os fundamentalistas e a extrema direita, que foram despertados pelo candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2010, se rearticulam e colocam em ação novos (velhos) dispositivos para fazer valer o seu projeto de sociedade: fecundante, capitalista e higienista. Porém, hoje com nova roupagem , novas figuras e novos aliados. A nova direita brasileira se aliou ao projeto fundamentalista para impor disciplinas aos sujeitos. Aqueles que não seguirem resta o fogo do inferno, a Lei e a marginalidade.
Os dispositivos utilizados por Silas Malafaia e seu seguidores ganham nova roupagem. O próprio Malafaia já revelou conhecimento de teorias pós – identitárias e faz uso grosseiro destas, as subverte perante a sua visão de mundo e esbraveja que os sujeitos não heterossexuais escolhem "este estilo de vida". Malafaia revela requinte, usa teorias do mundo abjeto a seu favor para desconstruir a própria abjeção que é usada para desmascarar a farsa heteronormativa.
O que ele não conta aos seus seguidores quando se utiliza de tais teorias é que estas visam, principalmente, a destruição da Sociedade Disciplinar que ele propõe, que antes da libertação do corpo, objetiva-se a libertação dos corpos da Matriz Heteronormativa, representada justamente pelo "pastor". Os argumentos utilizados pelos fundamentalistas e pela nova direita não duram cinco páginas, mas podem enganar bem.
Malafaia e sua horda representam o que podemos chamar de uma nova Sociedade Disciplinar. Mais ardilosa e sombria. Eles defendem a vida e a reprodução desta, não se pede mais a morte. Aos homossexuais eles desejam amor, mas que não mantenham relações afetivo – sexuais e se puder, que se convertam a heteronormatividade. Às mulheres, a cozinha. Estamos de frente para uma nova marginalidade que, além da esfera religiosa conta com o apoio de boa parte da imprensa hegemônica.
De um lado, o mundo obscuro e "limpo". Do outro lado, a multidão diversa, abjeta e subversiva. É esta tensão, germinada em 2010 pelo candidato derrotado, que vivemos neste momento. Por hora, o obscuro higienizado tem avançado e rompido fronteiras, se vai continuar a avançar, isso vai depender do despertar dos abjetos e daqueles que acreditam num mundo livre de sectarismo e classificações.