Dezembro. Férias. Mais um ano que a família Aguiar passaria o Natal na casa da vó Sônia, com todas as tias e tios, primos e alguns agregados como os namorados das filhas, das primas. Mas neste ano, algo diferente estaria por acontecer. Antonio estaria presente. Fazia muitos anos que ele não visitava a família, desde que separou-se de Cleide e foi morar na Bélgica.
As expectativas eram as melhores possíveis. Vó Sônia já estava com a lista de compras pronta com duas semanas de antecedência, planejando o que faria de sobremesa para agradar Antonio, um fanático por doces. Sua preferência era mouse de maracujá e pavê de chocolate e vó Sônia sabia prepará-los como ninguém.
Na véspera de Natal, Antonio ligou avisando que chegaria por volta das três da tarde e viria acompanhando de Júlio. Ninguém sabia quem era Júlio, mas, como boa anfitriã, vó Sônia se preocupou em preparar um quarto para o rapaz e certificar-se de que ele gostava do cardápio que seria preparado.
Quando Antonio chegou foi uma alegria só. Como ele não vinha ao Brasil há muitos anos todos estavam com saudades e loucos para saber de todas as novidades de sua temporada fora do país. Junto com ele, seu amigo Júlio. Um homem com aproximadamente a mesma idade de e com um sorriso constante no rosto, mas que não era mais expressivo que seu desconforto.
Julio ainda justificou-se dizendo que precisava de algumas horas para se adaptar, enturmar e ficar mais familiarizado com o ambiente. Antonio fez questão de apresentar toda sua família para aquele homem que ninguém sabia ao certo quem era, inclusive apresentou aos seus dois filhos adolescentes, Jônatas, de 16 anos, e Sabrina, de 18.
Os filhos de Antonio o visitavam pelo menos duas vezes por ano, mas também não conheciam aquele senhor que tinha um olhar bem intrigante, parecia que queria desvendar sobre cada um naquela casa – realmente queria, estava disposto a conhecer as particularidades daquelas pessoas que ele até então apenas conhecia através dos relatos e fotos que Antonio mostrava.
A casa começou ficar cheia e vó Sônia não escondia sua felicidade em receber todas aquelas pessoas. Pouco depois das dez da noite, estava tudo pronto para a Ceia de Natal. Os presentes todos empilhados em volta da árvore, que as crianças não saiam de perto, esperando o momento de abrir todos aqueles presentes e fazer a festa.
Então, chega o momento mais esperado da noite. A hora de ceiar, fazer os discursos e distribuir os presentes. Vó Sonia foi a primeira, como sempre, a falar. Não poupou o filho de adjetivos para mostrar o quanto estava feliz com aquela noite, em que reunia todos seus paridos e netos.
Outros irmãos de Antonio e sobrinhos falaram, ele ficou por último. Mas, pediu para que distribuíssem os presentes primeiro, já que pretendia atenção de todos quando fosse sua hora de fazer o discurso e contar mais sobre sua volta, definitiva, ao Brasil. Sônia, sua mãe, percebera que algo sério estava por vir. Antonio era sempre muito brincalhão e adorava ser um dos primeiros com suas palhaçadas bem-humoradas.
Vó Sônia – como era carinhosamente chamada por todos, até pelos filhos – não fazia questão de ocultar sua inquietação sobre o que Antonio tinha para falar. Fez com que a distribuição dos presentes fosse a mais rápida possível e então convocou seu filho mais velho para a ponta da mesa, onde deveria dar seus votos de felicidades a todos, como era rito naquela casa.
Antonio começou declarando seu amor aos filhos e a mãe, mas não se alongou muito na rasgação de seda e foi logo dizendo que precisava compartilhar com todos o novo momento de sua vida. Começou dizendo que estava muito feliz e amando novamente, que havia aprendido que a vida era curta demais para ficar preocupado com as imposições sociais e estava ali para apresentar seu novo amor.
Todos se entreolharam, fazendo que não entendendiam o que ele estava falando, mas naquele momento ficou muito claro para a família que seu amor era Júlio. Vó Sônia fez cara de que realmente não estava compreendendo o que ele dizia, mas quando Antonio chamou o rapaz, a senhora de mais de setenta anos entendeu e, viu passar em sua cabeça um filminho, uma espécie de deja vú, de quando Antonio tinha uns 14 anos e foi visto beijando um vizinho da sua idade.
Naquele instante, o silêncio pairou na casa de Dona Sônia, as lágrimas escorriam de seus olhos e os filhos de Antonio simplesmente se abraçaram e choraram juntos. O Natal que parecia tão feliz havia se desmoronado para alguns, já para outros nada havia mudado. Seu irmão mais novo, Celso, chamou atenção de todos para dizer que estava muito orgulhoso de seu irmão, corajoso como sempre, assumiu sua verdadeira vida e tinha deixado para trás a farsa do casamento, a que muitos recorriam e permaneciam até morrer.
Jonatas, o filho mais novo de Antonio, resolveu ir adiante e disse em alto e bom tom que amava o pai, mesmo ele sendo homossexual e que sua única tristeza era não morar com o pai – mas que a notícia de que o pai voltaria a morar no Brasil deixava essa tristeza no passado-, que gostaria de ficar mais próximo e que, se ele amava outro homem, isso não mudaria em absolutamente nada. Já Sabrina não teve a mesma reação que seu irmão, e trancou-se no quarto.
Dona Sônia desapareceu por alguns instantes, as pessoas conversavam em voz baixa e aos poucos foram se recompondo do baque, mas houve alguns que preferiram ir embora, justificando que precisavam acordar cedo no outro dia para o almoço de Natal. Quando alguns já tinham ido, vó Sônia voltou e chamou o filho para uma conversa, só os dois.
Nessa conversa, ela relembrou sobre a infância de Antonio, quando havia sido flagrado com o vizinho, mas fez questão de dizer que acreditava que aquela cena do passado tinha sido apenas um momento de criança, que não esperava que aquilo persistisse. Mas, já que era a realidade, ela não iria interferir na vida do filho. Chamou Júlio para a conversa e falou que ela estava ali para protegê-los e defende-los, mas que preferia não ver nenhuma demonstração de carinho entre os dois.
Passado aquele momento de tensão, chegou a hora da sobremesa. Vó Sônia fez questão de servir Júlio, numa simbólica demonstração pública de que não iria recriminar o filho apenas por querer viver sua vida de uma maneira diferente dos demais, mas tão integra como qualquer outro. Quando as atenções estavam voltadas para si, ela coroou a noite dizendo que "era mais feliz sabendo que o filho namorava outro homem do que se estivesse levando uma vida dupla, como alguns que sabemos quem são".