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Afinal, a homofobia acabou? Até onde minha vista alcança?

 
Luis Alberto Betonio foi agredido em plena avenida Paulista por um grupo de jovens em novembro de 2010. (Foto: Reprodução)


Por Lúcia Facco*

Recentemente participei de uma mesa, junto com três mulheres maravilhosas, em um evento onde se discutia literatura e homofobia. Em certa altura, quando o público fazia perguntas e comentários, uma moça da plateia (bonitinha, devia estar na casa dos vinte anos) disse que entendia que nós, da mesa, devíamos ter vivenciado situações de preconceito, mas ela achava que o preconceito estava diminuindo, pois ela nunca havia vivido nenhuma experiência desagradável nesse sentido.

A reação da mesa foi até engraçada. Todas nós começamos a falar ao mesmo tempo e lembramos à desavisada moça o caso do assassinato de um menino de 14 anos, com requintes de crueldade, no Rio de Janeiro, em um crime claramente motivado por homofobia.

Depois que o evento acabou, fiquei pensando a respeito do assunto. Eu, na verdade, nunca vivenciei nenhuma situação de preconceito explícito. Nunca apanhei, nunca fui xingada, enfim, não passei por nenhum trauma pessoal. Segundo o raciocínio da moça, então, eu deveria achar que homofobia é algo parecido ao Bicho-Papão, uma invenção para nos assustar.

A questão é que temos olhos para ver, ouvidos para ouvir e coração para sofrer não apenas pela violência que sentimos rasgar nossa própria carne, mas por todos aqueles que sofrem situações de agressão. Todas as situações.

Não é porque sou branca que não vou crer em racismo. Não é porque sou da classe média que vou dizer que preconceito social é história da carochinha. Não é porque meus amigos acham eu ser lésbica "maneiro", que vou pensar que a homofobia está acabando. Não. Infelizmente não está.

Fico intrigada com a alienação de algumas pessoas. E essa alienação não é um "privilégio" da juventude. Já ouvi um comentário assim da boca de uma mulher mais velha.

Essa situação é muito séria, pois enquanto não houver a verdadeira solidariedade e a capacidade de sentir como nossa a dor dos outros, a sociedade não mudará. Ou antes, mudará para pior.

As pessoas precisam olhar além dos próprios umbigos e observar o mundo a seu redor, com as pessoas, as coisas, os preconceitos, as situações, as diferenças.

Sim, porque a diferença é muito mais complexa do que podemos pensar à primeira vista. Existem muito mais diferenças do que entre heterossexuais e homossexuais. Dentro da categoria homossexual existem diversas outras subcategorias que nos diferenciam.
Uma lésbica de classe média alta pode nunca ter sofrido preconceito, freqüentar uma sociedade fechada onde acham que ter uma amiga lésbica é cool. No entanto, existem as lésbicas negras, pobres, moradoras de comunidade que são estupradas por homens que querem "ensiná-las a serem mulheres de verdade".

Talvez aquela moça bonitinha que, felizmente, nunca sofreu preconceito, nunca tenha ouvido falar em homofobia antes daquele evento. Ou se ouviu, teve uma percepção muito irreal, como se tivesse ouvido falar de um problema contado em um livro de ficção.

Talvez ela não saiba das meninas e meninos de 14 anos que são torturados até a morte. Talvez nunca tenha ouvido falar de adolescentes que quebram lâmpadas nos rostos de estranhos, por estes serem homossexuais. Talvez também não tenha ouvido falar de militares que, em serviço, atiram em rapazes gays por ódio.

Mas a questão é que tudo isso não é invenção. São fatos que ocorrem na nossa realidade, que não é virtual. É uma realidade formada por carne e osso. Uma realidade que não podemos nos recusar a ver.

Todos nós temos o dever moral de abrir nossos olhos e nossos corações e ver que cada um de nós tem a responsabilidade e a obrigação de tentar mudar essa situação de violência.

No outro dia, recebi uma história por e-mail. A história do ratinho da fazenda. Ele viu o fazendeiro abrir um pacote que havia chegado pelo correio. Era uma ratoeira. Ele, desesperado, foi pedir ajuda à galinha. Ela riu e disse que não tinha medo de ratoeira e que o problema era dele. Daí ele procurou o porco, que lhe disse a mesma coisa. Finalmente procurou a vaca que nem lhe respondeu. Virou a cara, abanando a cauda. Acontece que uma cobra caiu na ratoeira e picou a mulher do fazendeiro. Ela caiu de cama e o médico receitou canja de galinha. O fazendeiro matou a galinha. A família da mulher veio visitá-la e o fazendeiro, para o almoço, matou o porco. Finalmente a mulher ficou curada e eles fizeram um churrasco para comemorar. Lá se foi a vaca.

Moral da história: quando chega a ratoeira na fazenda, o problema é de todo mundo.

Na nossa história também é assim. Quando o menino de 14 anos é espancado e morto, a dor também é nossa. Precisa ser nossa. Mesmo que estejamos encastelados na piscina de uma cobertura da Vieira Souto.

Do contrário, nós também seremos responsáveis por cada soco, cada xingamento, cada lâmpada quebrada em um rosto, cada gatilho puxado.

* Lúcia Facco é carioca, graduada em Letras (Português-Francês), especialista e mestre em Literatura Brasileira, doutora em Literatura Comparada pela UERJ, crítica literária e escritora. Este texto que o site A Capa publica na íntegra fará parte de uma coletânea que será lançada em breve pela Editora Brejeira Malagueta.

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