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Amor em dose dupla

Ca entre nós, esse lance de instinto materno é muito sério. Ser mãe passou a ser considerado uma atividade e mesmo uma habilidade. Equilíbrio, afeto, planejamento, cobrança, culpa, pressão, limites, tudo isso precisa ser considerado para a sonhada maternidade e suas atuais demandas, que não são poucas.

É claro que as lésbicas, mulheres que são, tem esse instinto. Afinal, elas menstruam, têm útero, ovários, trompas, resumindo: com o aparelho reprodutor em ordem, muitas de nós ficam loucas para engravidar. É curioso e engraçado que muitos heteros comentam que lésbicas têm dificuldade para engravidar, que deve ser uma preocupação constante, além de sentirem muita angústia almejando a sonhada maternidade… mais uma bobagem!

Dou risada e só para não me alongar sobre o assunto cito as várias alternativas que nós lésbicas temos para nos tornar mães: o meio mais antigo e comum, transar com um homem (se você é lésbica, imagine que é por uma boa causa, se for bissexual, você tira de letra), certo? Métodos artificiais: inseminação e proveta. lembre-se: estamos em pleno século XXI e você tem as mesmas chances de engravidar que uma heterossexual, Cientificamente provado.

Se você é lésbica e acha que foi feita para ser mãe, vá à luta! Mas lembre-se que ter filho não resolve a vida de ninguém. Além de não consertar relacionamentos também não apaga conflitos familiares. Considere que o argumento psicológico que defende a importância do par hetero para a saúde da criança não se sustenta.

Recentemente, um estudo realizado nos EUA apontou que as crianças criadas por lésbicas têm a tendência a serem mais equilibradas e terem menos problemas comportamentais que aquelas criadas em lares convencionais.

A controversa pesquisa (porque foi financiada, em grande parte, por grupos LGBT como as associações Gill Foundation e a Lesbian Health Fund), comprovou que os filhos de casais lésbicos parecem ser mais aplicados em níveis acadêmicos e tendem a ter menos problemas de agressividade ou desrespeito às regras. Segundo os pesquisadores, a possível explicação para isso talvez seja o fato de que as crianças, nesses lares, são muito programadas e aguardadas.

Outra pesquisa, também americana, reforça a idéia que nesse novo modelo de família com mães lésbicas não ocorrem maus tratos, fato tão comum, infelizmente, nos outros modelos familiares considerados “normais”.
A possibilidade da mulher engravidar por meio de um banco de esperma de doador anônimo já é uma realidade brasileira há alguns anos.

Quando meu instinto materno estava a toda resolvi utilizar esse recurso, com a ajuda de um médico especializado e comprovei que o processo todo é muito sério, eficiente e criterioso. Infelizmente, após três tentavivas não engravidei, como já disse antes as probabilidades eram as mesmas considerando o método natural, e cada caso é uma caso.

Essa normalidade toda em relação a lésbicas terem filhos e cuidarem deles pode ser vista também no filme “Minhas mães e meu pai” (The kids are all right, que significa “as crianças estão bem”), produção americana da diretora Lisa Cholodenko, com duas atrizes que admiro: Julianne Moore e Annette Bening. Na história, elas formam um casal lésbico, mães de dois filhos, cada uma tendo dado à luz um deles, concebidos com inseminação artificial do mesmo doador e pai.

A narrativa tem bons momentos, apesar de morna com relação às emoções das duas. O roteiro não consegue ser original nem mesmo provocativo, uma pena! Mesmo assim recomendo assistir e prestigiar, considerando que são tão poucos os filmes abordando o tema dessas famílias contemporâneas. Que me lembre, só “Tomates verdes fritos”, filme americano de 1991, baseado no romance Tomates verdes fritos, de Fannie Flagg, indicava rapidamente o filho biológico de Ruth, namorada da libertária Idgie, que após a morte do marido passa a viver sob o mesmo teto que ela, enfrentando ameaças e preconceitos. E olha que não era uma relação totalmente escancarada como as lésbicas Nic (Annette Bening) e Jules (Julianne Moore).

Tudo isso pra dizer que o lugar do pai e da mãe não tem que ser necessariamente ocupado por um homem e por uma mulher. A complexidade da sociedade contemporânea criou novos arranjos e composições familiares, como estas retratadas nos filmes, com mães lésbicas. Entender que inexiste um modelo ideal e que o afeto é o que conta, basta para que nós mulheres e lésbicas fiquemos atentas à possibilidade de materializar legalmente esse novo modelo de família, protestando com movimentos e ações por um ordenamento jurídico mais humanitário e inclusivo.

Viva a diversidade!

* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.

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