Limpando meus arquivos achei esta coluna antiga, que continua verdadeira e pertinente. Espero que todos gostem!
Ano novo, filme antigo, vida que segue. Hoje me deparei com duas sensações opostas, porém complementares por terem ocorrido no mesmo espaço físico. O dia tinha sido planejado para ser inesquecível. E foi. Talvez não pelos motivos certos…
Primeiro vou falar do filme incrível que vi: “Brokeback Mountain”, uma aventura delicada do diretor Ang Lee. Confesso de antemão que, queria vê-lo há muito tempo. Em outubro, havia comprado com antecedência os ingressos para a exibição na 29ª Mostra de Cinema de São Paulo e, na hora, deu tudo errado. Ou, tudo certo. Porque naquele dia estava com grandes expectativas, que poderiam frustrar a minha experiência.
Que eu achei o filme magnífico, eu não vou precisar dizer. Mas talvez os porquês tenham que ser revelados, antes que todo mundo ache que meus motivos para gostar de um filme descrito de maneira simplória como um “western gay” por cri-críticos de cinema.
O primeiro motivo é porque mostra a sutileza. As imagens são expressas com calma. Os atores não têm pressa de passar seus recados, nem o diretor. Acho genial quando um diretor tem a gentileza de te dar tempo para o público se encantar com uma imagem bem construída, sem atropelá-la com falas e outras coisas a serem absorvidas.
Ang Lee é generoso e seus atores estão magníficos. A todo o momento, você é estimulado por ações serenas, certeiras e livres de brusquidão. Isso vale também para a construção da relação homossexual, que é o centro do filme. O diretor choca de início, quando mostra como tudo começou de uma maneira que parece violentar o espectador. E, neste momento, esta é justamente sua intenção. Afinal, não se poderia perceber posteriormente todas as nuances sutis daquela relação, não houvesse aquele começo “à seco” para colocar tudo em comparação. E é aí, que entra a vida real!
Antes desse encantamento todo, um sujeito qualquer, num cinema qualquer gritou as maiores baboseiras no meu ouvido, enquanto eu passava ao seu lado. E aí eu penso: seria eu a estar no sul dos Estados Unidos, em 1963? Ou eram os personagens? “Eu odeio essa gente”, “Minha vontade é encher de porrada!”, “Devia ter vergonha!”, etc.
Teria sido só mais um dia na minha vida, não fosse esse filme, essa sensação, essa coisa boa que me queima por dentro quando eu me sinto vivo e ativo no meu dia-dia. Uma história de amor pode ser interrompida pela violência. Foi assim, no filme. Na minha vida, jamais.
Não sei que força divina me toma nos piores momentos. Só sei que há algo em mim: um botão, um plugue, uma manivela, que desencadeia o surgimento de uma desaforada força dentro de mim, em momentos em que me sinto prostrado ou diminuído. Eu não vou esquecer esse ataque que sofri. Mas não tripudiar por dentro, para resolvê-lo.
Eu podia ter me chocado com as declarações daquele sujeito, antes de ver o filme. Ao invés disso, eu nem olhei para ver de onde vinham aquelas barbaridades. Minha dor, minha revolta, minha frustração, meu medo não ganham um rosto dessa maneira. Porque eu não quero me comprometer nem com esse outro ser humano, nem com o ataque que ele me propôs. E eu acho que é melhor assim. O preconceito não ganha um rosto.
O filme acabou e eu fui embora. Vida que segue! Mas eu vou voltar a ver este filme, vou voltar àquele cinema, vou sentir essa revolta de novo. E, por muitas vezes, ainda vou achar que vivo no Wyoming dos anos 60. Mas enquanto houver o lado bom, é para ele que vou olhar. Enquanto as pessoas estão querendo me diminuir, eu estarei realizando. Só assim eu consigo manter a minha promessa de não perder a minha viagem na superfície desta Terra louca e abençoada.
Tratar a nossa realidade com naturalidade faz com que esta não pareça querer nos violar. Covardia mesmo, é esse filme!