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Armário sem Portas

Numa boate GLS de São Paulo, duas mulheres acabam de se conhecer. Uma usa suas melhores técnicas de paquera: sorri muito, conduz a conversa, oferece bebida; a outra só quer ir embora, não suporta a música, detesta multidão e se dirige ao caixa alegando que vai acordar muito cedo na manhã seguinte. Jogando sua última cartada, a primeira vai atrás: “Adorei conhecer você”. “Eu não posso dizer o mesmo”, responde a segunda. “Mas, se algum dia eu disser, você saberá que é verdade.”

Foi um começo, digamos, pouco favorável para Pya, a paqueradora. Embora tenha dado seu número, nunca imaginou que a outra fosse, de fato, ligar. Mas ela ligou – no dia, hora e minuto combinados, como boa germânica. “Aqui é a Karla, a gente se conheceu no sábado. Eu falei que ia ligar, estou ligando. Oi.” Em um mês, estavam casadas. Quatro anos depois, publicaram o delicioso Armário sem Portas, que acaba de ganhar uma nova tiragem.

“Não tínhamos pretensão nenhuma, só queríamos deixar registradas nossas histórias prevendo que um dia a senilidade apagasse a maioria delas. Era um seguro-caduquice! Nós anotávamos as passagens engraçadas em qualquer papelzinho: guardanapos usados e papel higiênico sem uso, cupons de padaria… Ficava tudo na segunda gaveta do meu bagunçado criado-mudo. Tiramos tudo de lá, acrescentamos outras histórias quase secretas e nosso filhote literário começou a ganhar corpo”, conta Pya.

“Corpo e alma”, diz Karla, referindo-se à reação dos leitores. “A gente achava que só o círculo mais próximo, que nos conhecia pessoalmente, leria o Armário. Tudo bem que não era um círculo pequeno, mas ainda assim, não tínhamos a expectativa de chegar tão longe. A verdade é que os amigos começaram a indicar, e os novos amigos para mais amigos… De repente, o círculo já tinha dobrado. Criamos um perfil no orkut e começamos a nos corresponder com várias pessoas. Conhecemos algumas pessoalmente e muitas delas se tornaram grandes amigas. Em nosso site existe um guestbook onde os leitores deixam comentários, a gente celebra cada um deles até hoje.”

“Celebra cada um e comemora com beijinhos e amassos”, diz Pya. “Resumindo, a verdade é que a gente adora esse contato com os leitores! Então, quando o primeiro lote do livro se esgotou, todo esse envolvimento diminuiu. Precisamos até inventar motivos mais corriqueiros para comemorar e manter o nível dos beijinhos e amassos!”

Karla tenta retomar: “Quem lia um exemplar emprestado às vezes escrevia, deixava scraps… Mas a gente sentia falta do movimento de antes. Paralelamente, continuavam a chegar pedidos, e não tínhamos pra entregar. As livrarias queriam encomendar, não dava. Leitores de outros estados pediam pelo site… Daí foi irresistível rodar outra leva, né?”

Para satisfazer a quem ainda não tinha o Armário, e para resgatar a relação direta que tanto prazer dava à dupla, Karla e Pya resolveram produzir uma nova fornada – mais uma vez de forma independente. O sistema de vendas por boleto, no próprio site do livro, mostrou-se eficaz e de longo alcance. Entre outras, já foram despachados exemplares para cidades como Caucaia, no Ceará, e Catolé do Rocha, na Paraíba – para não falar de Roma, Lisboa e até Japão.

“Além disso, eu me sinto mais tranqüila sendo a dona ‘do lojinha'”, brinca Karla com sua ascendência judaica. A venda online favorece os leitores de outras cidades e preserva a intimidade do destinatário (os livros são despachados em envelopes pardos, neutros e discretíssimos), que pode ser desde um típico leitor gay até perfis bem mais amplos.

“É incrível a quantidade de casais heterossexuais que nos escrevem”, conta Karla. “Tem homem que se identifica com meu lado racional e encontra no livro uma cúmplice contra a sensibilidade exagerada da esposa, mas também tem os que se identificam com a Pya porque são muito bagunceiros e escrevem elogiando a forma bem-humorada que encontramos de conviver, apesar das diferenças. Um hétero escreveu assim: ‘Armário sem Portas une passagens divertidíssimas e aspectos sérios da vida homossexual contemporânea. Ótimo para desmistificar estereótipos, imperdível para lésbicas e não só’. Uma moça, também HT, escreveu contando que leu numa única noite, ‘espantando o sono com as gargalhadas’. Não é uma delícia, reações tão positivas, de pessoas tão diferentes? Tivemos até pais e mães agradecendo ao livro por desmistificar a vida de um casal de gays. Isso pra não citar as lésbicas, nossas maiores leitoras, com quem geralmente desenvolvemos um contato mais longo e profundo.”

As autoras consideram que essa universalidade é um dos pontos fortes da publicação. Amor e humor, afinal, não dependem de sexo nem orientação sexual, idade ou estado civil. É à liberdade do espírito que o livro fala, e é pela leveza que conquista. Quem procura diversão e ternura, gargalhadas e uma pitada de romance vai gostar das peripécias de Karla & Pya.

:: Para saber mais sobre as autoras e comprar o livro acesse www.armariosemportas.com.br.

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