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As lésbicas se vestem mal?

Outra noite fui assistir à peça “Flores brancas” que, por ter uma temática lésbica, atraiu uma platéia igualmente homo. Sentada ali no saguão, vi-me rodeada de mulheres em casais ou grupos, de diferentes idades e modos mas com uma forte característica em comum: quase nenhuma estava na moda.

Antes que alguém se irrite, deixe-me declarar que sou um desastre fashion desde os meus dezesseis anos, que todas as minhas namoradas e amigas já se ofereceram para comprar roupas comigo, que sou o primeiro exemplo do senso comum sobre lésbicas mal vestidas.

Naquela noite mesmo eu estava com um cachecol laranja brilhante e uma jaqueta azul e branca peluda, de um tecido impermeável, super apropriados para andar contra os ventos da Patagônia e que tornavam a minha silhueta, já um tanto redonda, ainda mais semelhante à de um urso.

As presentes, no entanto, não ficavam muito atrás. Vi mais duas colegas com casacos que combinariam melhor com uma estação de esqui, um chapéu masculino de feltro preto que com certeza foi trazido de algum país europeu, um casaco de lã até o meio da canela que também tinha cara de ter sido comprado em Londres faz uns dez anos, e um colete! Quem no mundo, fora noivos em casamentos elegantes e lésbicas saudosistas, usa coletes?

Não bastassem as peças em tão grande desacordo com o que as mulheres hoje vestem, havia também combinações das mais peculiares. Uma mesma senhora exibia sapatos de oncinha e um vestido laranja, outra calçava botas com aquele solado imenso junto com jeans dos mais comuns, uma das jaquetas de esqui agasalhava uma moça de sapatos de salto alto.

Só as meninas mais novas pareciam estar vestidas de uma forma mais comum, menos destoante da moda atual. Aí fiquei pensando: Por que as lésbicas têm um senso estético tão diferente da média das mulheres? E por que as mais velhas parecem estar tão mais distantes da moda do que as mocinhas?

Vou dar minha opinião aqui, totalmente infundada em qualquer pesquisa ou livro, uma teoria ainda em construção. Sinta-se à vontade para comentar. Eu acho que as lésbicas se vestem fora de moda por quatro motivos:

Nós não sentimos empatia pelos valores que a moda feminina apregoa
Vamos admitir: as roupas femininas são feitas principalmente para tornar as mulheres atraentes para os homens. Dado que isto é o que menos interessa às lésbicas, a moda feminina em geral parece super distante do que sentimos.

Podemos até gostar de um ou outro visual feminino, como os terninhos que passam a idéia de poder e competência e algumas roupas mais andrógenas e modernas, mas fugimos das vestimentas que parecem ter uma etiqueta dizendo “fêmea heterossexual à espera de um macho”.

Acho que é por isso que há uma diferença entre gerações nesse caso: a moda mais recente para moçoilas inclui uma aceitação de bissexualidade, de mulher que toma as rédeas de sua própria vida, como antes não havia. Quando eu era adolescente, minhas escolhas eram ter cara de hetero ou me vestir ao máximo como um menino, com tênis e jeans.

Hoje uma moça com leggings agarradíssimos não necessariamente está indicando ao mundo que é hetero. Eu adorei saber que a estilista responsável por aquele desfile infindável de roupas hiper fashion do filme e da série Sex and the city, a chiquérrima Patricia Field, é uma lésbica assumida.

E as mulheres do seriado L Word vestem-se de todos os jeitos (até com chapéu masculino e colete.), mas são vistas como elegantes, ou pelo menos cool. Só que quem já passou vários anos sentindo que a moda feminina não a representa – como eu – habituou-se a não dar muita atenção ao que é considerado fashion e o que não é, e a escolher roupas por outras razões.

Nós podemos optar pelo conforto
Como somos mulheres que namoram mulheres, somos julgadas mais pelo que somos e dizemos e menos pelo que aparentamos por nossas parceiras. Lésbicas e homens heterossexuais têm muito mais permissão para serem gorduchos e desmazelados do que as mulheres heterossexuais e os gays, que são julgados por homens.

Assim, podemos ficar um tanto distantes dos ideais de beleza propagados por nossa sociedade hedonista sem que nossas namoradas virem a cara e nunca mais queiram nada conosco. Para comprovar essa minha teoria, olhe em volta em veja quantas lésbicas você conhece que façam lipoaspiração, passem fome em spas ou gastem suas economias em plásticas como as mulheres heterossexuais.

Essa mesma liberdade de não modelar o corpo por padrões absurdos nos permite recusar saltos altos quando nossos pés doem, roupas apertadas se nos incomodam, jaquetas pelo meio das costas se nos deixam com frio e tantos outros apetrechos femininos desconfortáveis.

Estamos fora da tirania de precisar agradar visualmente a qualquer custo.

Gostamos de vestir o que tem associações emocionais
Visto que a moda feminina não foi feita para nós, nossas namoradas não se importam de não sermos clones da Ana Paula Arósio mas o mundo nos olha com um certo toque de desaprovação – afinal, não nos casamos com homens -, nossa tendência como lésbicas é vestir algo de que gostamos.

É por isso que tantas de nós optamos por peças com lembranças emocionais, que foram feitas por namoradas anos atrás (como meu cachecol laranja peludo), que foram compradas numa viagem feliz ou numa época em que a vida deu uma guinada ou qualquer outra razão do gênero.

Assim nos sentimos mais felizes e confortadas, sem ligar muito para o efeito visual que essas roupas tão queridas criam em nossa aparência.

Escolhemos roupas práticas
Você já reparou como as roupas femininas saem de moda muito mais rapidamente que as masculinas? Como são mais caras, mais frágeis, mais difíceis de usar e ainda assim manter a liberdade de movimentos?

Pois as lésbicas em geral reparam nisso e acabam escolhendo roupas práticas. Casacos que aqueçam direito, blusas de verão de materiais naturais para permitir o suor, sapatos macios e sem tirinhas para ser possível caminhar sem machucar os pés, calças que não caiam ou fiquem pelo meio da virilha e por aí vai.

Nosso senso de moda, assim, não é ruim, mas diferente. Porque os critérios que usamos para a escolha de roupas não são os mesmos da maioria das mulheres heterossexuais.

Você concorda?


* Laura Bacellar foi a editora responsável pelas Edições GLS e é autora de alguns contos e artigos tendo as lésbicas como tema.

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