in

As telenovelas legitimam a homossexualidade?

A presença de personagens gays nas telenovelas não é algo novo, visto que os folhetins televisivos, desde os anos 70, já contam com alguns personagens da sexualidade marginal, aquela que não se pauta pelo viés da reprodução. Para datar podemos citar a novela "O Rebu", de 1975, que tinha o personagem Cauê (Buza Ferraz), michê que mantinha uma relação marginal com o milionário Conrad Mahler (Ziembinski).

A novela "O Rebu" foi exibida na faixa das 22h, que existiu até o início dos anos 90 na Rede Globo. "O Rebu" marcou época não apenas por conta da ousadia de ter um personagem gay em sua trama, mas também por sua história se passar numa noite só, durante uma festa, em que acontece um assassinato. E advinha quem era o autor do crime? Sim, o personagem homossexual.

Durante as décadas de 70/80 e começo de 90, os personagens gays serão caracterizados por aspectos criminosos ou extremamente femininos. Estas representações novelísticas dialogam com a situação da comunidade gay no Brasil, onde não havia representação nos parlamentos ou sequer discussões políticas em torno da questão homossexual. E é aí que nós entramos na questão da legalidade de uma outra sexualidade possível.

Podemos dizer que o debate legislativo em torno dos direitos gays data do ano de 1995, quando a então deputada federal Marta Suplicy (PT-SP) apresenta o projeto de lei que visava estabelecer a parceira civil entre casais homossexuais. Nesta mesma época uma novela dos anos 90 também iria suscitar forte discussão popular em torno das relações entre sexos do mesmo gênero. Trata-se de "A próxima vítima", que foi exibida no mesmo ano em que a parlamentar apresentou o projeto de lei e que continha na sua trama o casal Sandrinho (André Gonçalves) e Jeff (Lui Mendes).

Do projeto de Marta Suplicy (PT-SP) e da exibição da novela "A próxima vítima" já se passaram 16 anos. Desde então o debate legislativo e cultural em torno dos gays também se transformou e, por consequência, se expandiu. E é aqui que caímos na questão da legalidade da homossexualidade por intermédio do produto televisivo mais consumido no Brasil: as telenovelas.

O avanço e a legitimidade
Autores de novelas quando criam suas respectivas tramas e seus personagens visam sempre o máximo de homogeneização, para que desta maneira atinja e agrade o maior número possível de telespectadores, gerando assim altos índices de audiência. Portanto, todos os tipos ali apresentados carregam símbolos rasos, caricatos e que condizem com a sua época, caso contrário não terá aceitação pública.

Dentro desta lógica publicitária de se construir uma telenovela, voltando às tramas dos anos 70/80 e resgatando a invisibilidade e marginalidade da homossexualidade, o que as novelas de então faziam era legitimar que os homossexuais das respectivas décadas eram sujeitos solitários, escrachados, sem família, viciados e assexuados (esta característica permanece ate hoje).

Quando o debate em torno dos direitos homossexuais chega ao Congresso Nacional, na metade dos anos 90, aliado à uma organização de grupos da sociedade civil e, posteriormente com o sucesso da novela "A Próxima Vítima", passa-se então a legitimar outros sujeitos homossexuais, estes com tramas próprias, com família, mas que ainda carece de direitos civis. A representação marginal começa a perder espaço e ficar desbotada. A audiência já pede outros rumos.

Pulemos alguns anos e paramos em 2006, quando vai ao ar a novela "Duas Caras" com o seu personagem gay Bernardinho (Thiago Mendonça), homossexual nem muito afeminado nem muito viril, que no decorrer da trama vai se envolver em um triângulo amoroso com Dhalia (Leona Cavali) e Heraldo (Alexandre Slaviero). Na trama, o triângulo passa a ser perseguido por religiosos fundamentalistas que vivem na Portelinha, bairro fictício da trama. Em um dos episódios mais polêmicos, os fundamentalistas invadem a casa do trio e destroem tudo em nome de Deus.

Paralelamente a trama de "Duas Caras", o Congresso Nacional volta a debater o Projeto de Lei da Câmara 122/2006, que à época foi apresentado pela então deputada federal Iara Bernardi (PT-SP). Desde então foi estabelecida uma "guerra santa" entre a frente parlamentar evangélica e a frente pela livre expressão da sexualidade e progressista no geral. O legislativo e a telenovela legitimavam uma discussão que vazou da ficção e foi parar nas páginas de jornal. Na época, as igrejas acusaram a Rede Globo de "perseguição".

O PLC 122/2006 ainda tramita no Congresso Nacional, as bancadas fundamentalistas se fortaleceram e os crimes por motivações homofóbicas só fizeram aumentar no Brasil. O tema voltaria a ser legitimado pela novela "Insensato Coração", que trouxe em sua história seis personagens gays, com destaque para Roni Fragonard (Leonardo Miggiorin) e o casal formado por Hugo Abrantes (Marcos Damigo) e Eduardo Boim (Rodrigo Andrade). Dois temas entram em pauta: crimes homofóbicos e a união estável, que no decorrer da novela foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar do personagem Roni ser o destaque da novela, a questão legitimadora se focou em duas histórias: no casal Hugo e Eduardo e no jovem gay da periferia, Gilvan (Miguel Roncato). Dois assuntos aqui são legitimados e validados socialmente por esta novela: a união civil entre homossexuais e o assassinato de gays por homofobia. Em muitos momentos, a trama de Gilberto Braga assumiu tons militantes, mas foi muito além do permitido e com muitas cenas cortadas.

No sistema em que funciona o Brasil e boa parte do mundo, liberal e legalista, boa parte dos comportamentos são legitimados e validados enquanto permitidos e não permitidos pelas instituições de lei e de política. Com os paralelos feitos aqui, podemos afirmar que as novelas, ao contrário do que muita gente pensa, funcionam em sintonia com os órgãos que autorizam os sujeitos ao que podem e ao que não podem fazer.

Hoje, atores estão autorizados a irem a programas de auditório defender a criminalização da homofobia, a união civil estável entre casais do mesmo sexo e regozijar o preconceito contra LGBTs. Ironicamente, estes mesmos atores que interpretam homossexuais na televisão não estão permitidos a saírem do armário. Assim, como as instituições oficias, a TV também legitima o que pode e o que não se pode fazer.

Sacha Baron Cohen é escolhido para fazer Freddie Mercury no cinema

Confira as festas que vão agitar o Ano Novo no Rio