A revista DOM deste mês abordou, em uma matéria sobre sexo anal, um tema delicado e polêmico: a questão dos ativos e passivos na relação sexual. Aproveitando a deixa, resolvi escrever sobre isso também. Se entre os gays os papéis sexuais podem definir a existência ou duração de uma relação, será que entre nós, lésbicas, também é assim? Afinal, é tão importante definir-se ativa, passiva ou relativa?
Para começar, vamos “definir” o que seria uma lésbica ativa, uma passiva e uma relativa. A “ativa” seria aquela lésbica que assume uma postura dita mais “masculina” durante o sexo, tocando e dando prazer à parceira, e muitas vezes não se deixando ser tocada. Ou, numa linguagem mais “popular”, ativas são as que “comem”. As passivas seriam aquelas que são tocadas pela parceira, assumindo uma postura dita “feminina”, ou seja, são as que “dão”. E as relativas (ou flexíveis) são as que assumem os dois papéis, ou que na verdade não vêem diferenciação entre os dois, permitindo-se tocar e serem tocadas sem maiores problemas.
Mas por que existem estas denominações? Simplesmente porque as pessoas têm desejos e necessidades diferentes na hora do sexo, se sentindo à vontade em algum papel específico ou na não-definição. E isso pode variar até para uma mesma pessoa, em momentos diferentes da vida, nas relações e mesmo dentro de uma mesma relação. Umas vezes queremos uma coisa, outras vezes outra, e isso é natural e saudável.
É importante fazer aqui uma diferenciação entre identidade de gênero (estereotipo sexual) e papel sexual, pois muitas vezes aquelas que têm comportamentos ditos mais “masculinos” não levam este comportamento para a cama, e vice-versa. Já conheci bofinhos passivas e relativas, e feminíssimas que são estritamente ativas. Uma coisa é a forma como você se apresenta para a sociedade (a forma como você se veste, se comporta, etc), que é a identidade de gênero, outra é como se comporta sexualmente, que é o papel sexual. E deixemos claro: tudo isso é apre(e)ndido e desenvolvido socialmente, ou seja, é a sociedade que nos ensina e determina (infelizmente) quais comportamentos são masculinos e quais são femininos. Corajosas daquelas que resolvem questionar estes padrões, que nos são impostos de forma tão natural que nem percebemos e se refletem até nas nossas brincadeiras, por exemplo, quando saímos todas orgulhosas por aí falando que “comemos” fulana ou beltrana.
Isto posto, percebe-se que a escolha pelo papel ativa/passiva pode muitas vezes ocorrer por limitações psicológicas e necessidade de reconhecimento social, ou seja, está ligada a estes papéis impostos pela sociedade. Conheci mulheres que se diziam “ativas” porque nas vezes em que tentaram se “entregar” para as namoradas se sentiram muito femininas e frágeis, ou seja, o papel da feminilidade e da entrega era visto como fraqueza e fragilidade. Outras garotas não se permitem ser “ativas” porque se sentem masculinizadas ao tocar a parceira, penetrá-las com os dedos ou com acessórios, já que este seria um papel “masculino”. Caso a garota apresente um conflito com relação a estes papéis, talvez seja importante trabalhar estas questões intimamente, com ajuda terapêutica.
Em outras vezes, porém, a escolha por ser ativa ou passiva é simplesmente uma questão de gosto, identidade ou os dois, e aí não tem jeito, é preciso buscar alguém que complete o seu desejo. E podem ter certeza que sempre existe…
As relativas, nisso tudo, são as mais confortáveis, pois podem se relacionar tanto com ativas como com passivas. Mas não conheço muitas flexíveis que conseguiram relacionar-se muito tempo com mulheres estritamente ativas ou passivas. Chega uma hora em que elas sentem falta de variar a postura, e então podem começar os conflitos. Para superá-los é preciso flexibilidade, entrega e muito amor das duas partes.
Enfim, entre lésbicas os papéis ativo/passivo/relativo existem sim e podem determinar rumos de relacionamentos. Quando a escolha por um destes papéis é tranqüila, muito bem, mas quando ela mascara outras questões de ordem íntima e social, é importante repensá-la. Porque o que vale, em qualquer tipo de relação, é a felicidade, verdade e espontaneidade, e privar-se do prazer por conta do que a sociedade nos impõe não tem sentido – nós lésbicas já sabemos disso, não?
E para aquelas que ficaram curiosas, respondo: sou relativa.