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Ativista gay Beto de Jesus critica falta de ações do Brasil Sem Homofobia

 Roda de debate no último domingo (06/09) no 7º Enuds, em Belo Horizonte, jogou luz sobre dois temas que, pelo menos aparentemente, não têm muito a ver com diversidade sexual: trabalho e terra.

Com o objetivo de discutir as demandas populares para a democratização do país, a mesa foi composta pelo ativista gay Beto de Jesus, a transexual Lili Anderson e Sara Deolinda Pimenta, do Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e outros.

Sara foi a primeira a falar. Explicou a origem de sua pesquisa acadêmica e seu envolvimento, na área de psicologia social, com trabalhadores rurais e agrícolas. Relacionou os temas terras e diversidade sexual afirmando que as duas pautas falam de "sujeitos pessoais e democracia".

Também citou pesquisas em que fala sobre a importância da democratização do acesso à terra para a construção da democracia no país. Estudos apontam que a reforma agrária oferece a possibilidade de criação de novas identidades coletivas.

Otimista, Sara vê nos movimentos sociais ligados à questão do trabalho uma "abertura" em se tratar do tema da sexualidade e explicou que os termos "luta contra a homofobia" em uma carta da Marcha das Margaridas, por exemplo, foi algo "custoso".

Travestis, trabalho e prostituição
Vice-presidente transexual da ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais -, Lili Anderson teve uma das falas mais polêmicas da mesa. Criticou duramente a prostituição como única forma de trabalho das travestis e transexuais.

Nesse sentido, explicou um racha do movimento de travestis e de prostitutas. "Diferente da mulher, as travestis não têm um leque aberto para o trabalho formal. A mulher tem um mercado onde se inserir. As travestis não", afirmou.

A militante trans explicou que "para viver dignamente, a maioria das travestis tem que se prostituir na Itália" e apontou o "falso glamour" que há nessa situação. "A família muitas vezes também se torna cafetina, pois só aceita a travesti quando ela sustenta a casa", disse.

Assessora do professor Marco Aurélio Prado, da UFMG, Lili disse que a transfobia direcionada a ela respinga no docente. Outro ponto abordado pela ativista de Espírito Santo foi a falta de pesquisas acadêmicas que vão além da prostituição. "Nós só conhecemos outras histórias quando estamos dentro do movimento", declarou.

Lili reconheceu que as "travestis são um grupo difícil de lidar", mas afirmou que "não dá para se aproximar dessa população só para entregar preservativo e falar da temática do HIV/Aids". Apontou o Entlaids como um dos principais articuladores do movimento das "TT’s" e ainda divulgou o projeto Astral Top, que visa dar informações sobre previdência social para as trans.

A dureza de ser bicha
Beto de Jesus foi quem roubou a cena durante a fala que deu uma animada na plateia. Começou dizendo que aquela roda de conversa era "emblemática". "São temas caros à nossa militância e não estão na agenda do movimento LGBT".

 Sem deixar de reconhecer a importância, Beto criticou o que considera a atuação do movimento como uma "concentração  de atenções em ações legislativas". Explicou ainda a importância de um debate para discutir as questões do trabalho e da terra.

"É interessante um debate como esse no Enuds porque busca uma capilaridade. O movimento gay é branco e de classe média. Como vai discutir trabalho e terra? Não que não seja uma questão pertinente, mas pra essas pessoas está um pouco mais resolvido", analisou.

Em seu discurso, o ativista falou sobre a questão dos "marcadores identitários", que cruzam os sujeitos. "Conseguimos imaginar um mendigo ‘feio, sujo’, mas não imaginamos que ele tenha uma sexualidade. Pessoas com deficiência também. Tem gente que acha que cadeirante não goza", comparou.

Beto lembrou que "homossexuais como força integrante no mercado de trabalho estão presentes desde tempos imemoriais". "O que chama atenção é que agora as pessoas querem viver suas vidas de formas abertas", dispara.

Como representante da Ilga para a América Latina e Caribe, Beto citou dados já conhecidos sobre a situação da homofobia no globo e a dificuldade do enfrentamento disso. São 84 países que criminalizam a homossexualidade, sendo 7 com pena de morte.

Alguns marcos que permeiam essa questão foram apontados por ele como desafios, ações para serem enfrentadas. A primeira delas diz respeito ao programa Brasil Sem Homofobia, lançado pelo governo Lula.

"Gente, o programa foi lançado em 2004 como uma carta de intenções que mobilizava os ministérios e outros setores governamentais. Estamos em 2009. Alguém aqui sabe me dizer quantas ações foram tomadas pelo Ministério do Trabalho nesse sentido?", questionou. Silêncio na plenária. "Absolutamente nenhuma", continuou Beto.

Outro ponto levantado pelo ativista tratava a respeito da criação do Plano Nacional LGBT, lançado em maio pelo Governo Federal e as resoluções tiradas na I Conferência Nacional LGBT. "Da Conferência saíram coisas inexequíveis, mas como foi feito pelo movimento deveria ter mais legetimidade do que o Plano", disse.

Beto também foi aplaudido quando falou sobre a questão cotidiana de lidar com a sexualidade. Narrou um episódio em que teve que ensinar uma secretária a passar o recado que seu marido tinha ligado. "Eu falei pra ela:  ‘Quando seu marido liga, eu digo seu marido te ligou. Para mim vai ser igual’. Não tem que ter essa coisa de amigo, colega. É marido. É duro ser bicha. Ter que ficar educando as pessoas", contou.

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