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Ativistas falam sobre Stonewall brasileiro

Durante o mês de junho e – em especial – toda essa semana, o site A Capa publicou uma série de reportagens sobre o levante de Stonewall assinadas pelo jornalista carioca Victor Barroco. A cobertura é oportuna, pois vem no momento de comemoração de 40 anos do ato, e começou a ser pensada em dezembro de 2008, quando o repórter esteve na cidade de Nova York. Victor teve a oportunidade de conhecer ativistas que participaram do acontecimento que marcou o início do que conhecemos hoje como movimento gay moderno e deu origem inclusive às Paradas do Orgulho LGBTs.

Pensando em atos históricos brasileiros que podem ser comparados à manifestação de Stonewall, a reportagem do site procurou dois ativistas  do movimento gay que estiveram em momentos importantes para a garantia de direitos em terras tupiniquins. Resgatamos então por meio de duas entrevistas, realizadas por e-mail esta semana, a história da ocupação do Ferro’s Bar, um dos, senão o único, point lésbico na capital paulista em meados da década de 70/80.

Sem mais delongas, então, com a palavra Miriam Martinho e Ricardo Rocha Aguieiras. 

Quando o Ferros Bar começou a ser frequentado por lésbicas?
Miriam Martinho: No início da década de 60 (1963, por aí).

Ricardo Rocha Aguieiras: Desde o inicio da militância, em 1978, o Ferros já tinha o público lésbico na sua clientela, mas somente à noite.Sinceramente, não sei o motivo. Nunca se soube o por que de determinadas casas caminharem para isso, talvez a proximidade com a boate SKY, e a Bus Stop, ambas na Rua Santo Antonio, alí perto do viaduto onde existia o Ferros e já conhecidas como casas voltadas para as meninas. Sem contar que era um local tão perto da já famosa Augusta.

Pelo que consta o bar durante o dia era frequentado por famílias e senhores. Como passou a virar point lésbico?
MM: O bar sempre teve um histórico meio marginal, pois, a princípio, foi um ponto de encontro da boemia artística, de atores principalmente. Depois, segundo consta, passou a ser frequentado por gays, por um período, e por fim pelas lésbicas. Mas não sei como virou point lésbico, talvez porque algumas tenham ido por lá com amigos gays e foram ficando. E de fato, durante o dia, a frequência era de gente que trabalhava na redondeza, famílias inclusive. No final de semana, principalmente depois da invasão, as lésbicas também passaram a aparecer durante o dia.

RRA: Sim, é verdade. Durante o dia o bar funcionou , por anos e anos, como um espaço comum e (risos) "respeitável". Lembrando que era quase em frente à uma bela sinagoga que tem lá até hoje. Volto à minha teoria, como já tinha algumas boates lá perto, as les tinham que "fazer hora", esperando as casas abrirem. E foram tomando conta do local.


 
Por que o dono do Ferros não deixou o Chana com Chana ser distribuído? 
MM: Preconceito puro. Ele permitia que se vendesse de tudo por lá, mas resolveu implicar com o boletim.

RRA: Penso que o nome do jornal era "provocador" demais para a época, remetia diretamente ao ato sexual entre duas mulheres. Elas não tinham o medo de transgredir. E o dono do Ferros estava com medo por causa dos ataques da polícia , medo de bagunça, quebra-quebra e essas coisas…

Ele era tolerante com o público lésbico ou estava interessado apenas no dinheiro?
MM: Estava fundamentalmente interessado no dinheiro, claro, mas o tratamento não era dos melhores. Se até hoje ainda somos cidadãs de segunda, imagine naquela época.

RRA: Essa resposta é difícil de ser dada até hoje, porque um empresário ou dono de negócio LGBT têm todo o direito de querer lucrar com sua empresa e nunca irá assumir publicamente se seu interesse for apenas financeiro. Pode ser ou não. No caso específico, eu não acredito que o interesse fosse apenas grana, ele tinha uma simpatia pelas meninas e demonstrava compreensão. Lembro, inclusive, que  pediu desculpas pela expulsão das meninas, depois…. Isso é bonito, não? Mas acho que o problema maior alí era o porteiro – que sabia identificar muito bem quem eram as meninas militantes , que não deixava entrar, das que não eram, que eram apenas clientes "comuns"… ; porteiro esse movido pelo seu machismo e sua "pequena autoridade", coisas tão comuns.

Você esteve no ato no Ferro’s? O que você lembra sobre o levante? Pode descrevê-lo?
RRA:
Sim. Não tenho fotos, mas sei que a Miriam Martinho tem.

MM: Sim, estive. Lembro que tive muito medo da polícia aparecer e nos levar presas. Tive medo da imprensa também. Não era muito confortável aparecer nas páginas dos jornais na época. Mas organizamos tudo de forma a minimizar os riscos: chamamos os grupos gays da época e algumas feministas para dar apoio. A vereadora Irede Cardoso foi uma das parlamentares pioneiras no apoio aos direitos homossexuais no Brasil, pedimos cobertura da OAB, chamamos a imprensa.

Chegamos no dia 19 de agosto e tentamos entrar no Ferros. O porteiro fechou a porta para que a gente não entrasse. Passamos a conversar com as mulheres que estavam do lado de fora do bar, juntamos gente, mais os grupos que estavam dando apoio, tentamos de novo. O porteiro enfiou a mão na cara de uma das integrantes do GALF, pela porta entreaberta. Um homem aproveitou e jogou fora o boné do porteiro, ele se distraiu e entramos todos. Foi realmente uma invasão.

A Rosely Roth subiu numa cadeira, começou a explicar o porquê do protesto, fez o maior sucesso, ganhou aplausos. A vereadora Irede Cardoso foi intermediar a rendição do dono do bar, e ele por fim prometeu que nos deixaria vender em paz o boletim. E cumpriu o acordo. Nesse link, vc pode ler a matéria produzida por uma das integrantes do Galf sobre a manifestação.

          Ovídio Vieira/Acervo Um Outro Olhar               

A imprensa noticiou a invasão do Ferro’s?
RRA: Sim, e estranhamente, sem preconceitos.

MM: A Folha de São Paulo cobriu o evento, e a matéria, do Carlos Brickman, foi replicada por outros jornais.

Porque a invasão do Ferro’s bar pode ser encarado como um Stonewall brasileiro? O que há de similar entre eles?
MM:
Bem, pelo óbvio primeiro de ambas as manifestações terem se dado em bares frequentados por gays e lésbicas e por terem sido uma resposta ao preconceito e à discriminação. No Ferro’s, o dono também chamou a polícia para nos escoltar para fora em uma de nossas tentativas de vender o boletim antes da manifestação. Outra vez, o segurança e o dono literalmente nos empurraram para fora. Mas como a gente era mosca de bolo, sempre voltava, só que os ânimos foram ficando acirrados, e aí partimos para a manifestação.

RRA: Respeitando as devidas proporções, foi uma vitória. E cabe às Les. A polícia veio, sem o Richetti, e nada de ruim fez, até ouviu argumentações das lésbicas, militantes e simpatizantes. Não houve a violência de Stonewall, mas foi algo nosso. De similar há a busca por um mundo mais justo e a revolta perante o cerceamento de direitos. Ocorreu num bar de homossexuais e prostitut

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