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“Atrelar homossexualidade à pedofilia é um crime”, diz pastor gay

As declarações do Secretário do Vaticano, Tarcisio Bertone, relacionando homossexualidade à pedofilia, estarreceram militantes gays em todo o mundo. Até a Santa Sé pediu ao cardeal, segundo homem forte por trás do papa Bento XVI, que ele se retratasse, justificando que a Igreja não pode fazer afirmações de caráter psicológico ou médico sobre o assunto.

Aqui no Brasil, a repercussão foi obviamente gigantesca. Algumas igrejas inclusivas, de denominação evangélica, repudiaram a postura do Secretário. O pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea, foi um dos primeiros religiosos a criticar as declarações de Tarcisio Bertone.

Em entrevista exclusiva ao site A Capa, Gladstone, autor do livro "A Bíblia sem preconceitos", onde argumenta que a Bíblia não condena a homossexualidade, diz que as afirmações do Secretário do Vaticano são "absolutamente irresponsáveis" e que associar pedofilia à homossexualidade é um "crime". Leia a seguir:

Como o senhor recebeu a fala do Secretário de Estado do Vaticano, que relacionou a homossexualidade à pedofilia?
Não apenas eu, mas creio que toda a comunidade LGBT e setores progressistas da sociedade ficaram absolutamente estarrecidos com as declarações do Secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone, associando a homossexualidade à pedofilia.
 
Contudo, mais do que estarrecimento, é preciso que olhemos as declarações do religioso com a mais profunda apreensão diante do perigo que ela representa. Como ministro do Evangelho e fundador da Igreja Cristã Contemporânea, uma denominação evangélica inclusiva, não pude me furtar a tecer algumas breves considerações sobre o ocorrido.
 
Não resta a menor dúvida de que a pedofilia está diretamente ligada a uma prática perversa e abusiva. Falta ao pedófilo algo essencial para o comportamento humano em uma sociedade que viva em estado de direito: constituir o outro como sujeito. Os homens e mulheres (sim porque a pedofilia não é apenas uma perversão masculina) que cometem esse crime não atribuem a suas vítimas nenhuma qualidade enquanto seres humanos. Estas são simplesmente e desgraçadamente objetos de um abuso que toda a sociedade, em uníssono deve condenar moral e legalmente.
 
Entretanto, atrelar a homossexualidade a isto, consiste igualmente em um crime de grave irresponsabilidade, pois destitui a homossexualidade de sua estrutura básica: a de uma simples variação da sexualidade humana, ainda que a heterossexualidade se apresente como predominante. Afirmar que homossexuais não são pedófilos em potencial seria trazer essa discussão para a superficialidade da declaração de Tarcisio Bertone. Isso todos nós já sabemos, mesmo que alguns argumentos claramente homofóbicos e segregadores insistam em discordar disso.
 
Como homossexual assumido e casado com outro pastor evangélico, não posso ainda deixar de me indignar com as distorções abusivas do secretário, pois além de não ser pedófilo, nunca fui vítima de pedofilia. Minha homossexualidade é algo absolutamente natural em mim, e a reconheço como uma variação saudável e inclusa no plano de salvação de Deus para a minha vida. Essa é a verdade que vivo, prego e anuncio.
 
Enquanto nos dermos o direito de fazer afirmações irresponsáveis como a deste religioso, estaremos colaborando perversamente com um mundo de exclusão, preconceito e trevas; mas também estaremos deixando de atacar o real problema: a necessidade da construção de um mundo onde as pessoas possam viver sua orientação sexual com dignidade, cidadania, saúde e respeito. Talvez isso diminua sobremaneira o flagelo que tanto atinge as dependências da Santa Sé e de tantos outros lugares onde seres humanos são abusados diariamente e violentados em sua sexualidade.
 
O senhor não acha que, ao utilizar discursos pouco inclusivos, a Igreja Católica afasta seus fiéis?
Certamente afasta muitos fiéis LGBT da Igreja Católica tal postura, entretanto, vejo uma luz no fim do túnel quando estes mesmos fiéis encontram a Igreja Cristã Contemporânea e constatam que Deus jamais as excluiu.
 
Na sua opinião, pode-se imaginar um dia a Igreja Católica se pronunciando mais abertamente sobre a homossexualidade?
Costumo dizer que a Igreja Cristã Contemporânea não tem a pretensão de mudar o mundo, mas seremos uma "pedra no sapato" dos religiosos homofóbicos da atualidade. Quanto a pronunciamentos favoráveis em relação à homossexualidade, creio ser difícil o alto clero da Igreja Católica fazer qualquer menção positiva nesta questão, pelo menos na gestão do atual papa, todavia, já pude ver no baixo clero, por experiência própria, padres e religiosos católicos sendo muito mais compreensivos na aceitação de LGBT do que religiosos evangélicos.
 
Qual é a postura da Igreja Cristã Contemporânea em relação a assuntos polêmicos, também muito criticados pelos católicos, como o uso da camisinha e o aborto?
 Somos favoráveis e incentivadores do uso da camisinha entre os casais da nossa igreja. Já quanto ao aborto, a Igreja Cristã Contemporânea tem uma posição mais conservadora, pois somos completamente contra as práticas de qualquer forma de aborto.
 
Como a sua igreja pretende se pronunciar oficialmente a respeito?
Encaminharemos o posicionamento oficial da Igreja Cristã Contemporânea aos diversos setores da sociedade civil nacional e internacional, mostrando que o Secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone, ao associar a homossexualidade à pedofilia, está plenamente equivocado.

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