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Autora fala sobre homossexualidade na literatura infanto-juvenil

 Bela vive feliz com Fera, depois que este se torna um lindo príncipe. Branca de Neve acorda de um sono profundo depois que um homem loiro, alto e lindo a beija. O mesmo não seria diferente com Cinderela e tantas outras princesas que reinam nos contos de fada.

Passam por apuros até que um homem as salvem. Mas o que aconteceria se Bela fosse uma travesti ou Branca de Neve fosse salva por uma outra mulher e todos fossem felizes para sempre? Seria isso possível? Por que não? Para falar dessa lacuna e das tímidas publicações infanto-juvenis voltadas à temática homossexual que começam a surgir, a funcionária pública e pesquisadora carioca Lúcia Facco, de 45 anos, lançou "Era uma vez um casal diferente" (296p.; R$ 59,70), pelas Edições GLS, selo editorial do grupo Summus. 

Dividido em seis capítulos, o livro traz ainda no final um caderno de atividades para professores. Lúcia, que também é doutora em Literatura Comparada, conversou por e-mail com A Capa. Falou sobre o que a levou a tratar o assunto e de que maneira ele pode ser mais difundido. Pegando carona na notícia de que o governo estuda incluir a temática homossexual nos livros didáticos em 2010, ela alerta: "se não for feito um trabalho de conscientização com as escolas, este plano pode ser boicotado".

Quais os motivos que a levaram a escrever o livro?
Eu sou homossexual e tenho um filho em idade escolar. Penso que esse seria um motivo suficiente para que eu desejasse pesquisar sobre o assunto. Contudo, temos a felicidade de, pelo menos até hoje, nunca termos enfrentado nenhum tipo de preconceito por parte dos colegas e da escola enquanto instituição. Mas por trabalhar em escola, ter contato com muitos professores e perceber que esse tipo de discriminação realmente acontece, resolvi mudar o tema da minha pesquisa, que era literatura lésbica contemporânea (tanto que publiquei, em 2004, o livro As heroínas saem do armário: literatura lésbica contemporânea, que foi a minha dissertação de mestrado, escrita em formato ficcional) e direcionei a pesquisa para a literatura infanto-juvenil e a temática homossexual.

Durante quanto tempo você pesquisou o assunto?
Bem, não posso precisar isso, pois desde os meus tempos de especialização (fiz em 2000), já lia e selecionava textos que falassem sobre isso, já que minha pesquisa era um bocado ampla. Mas especificamente sobre literatura infanto-juvenil, foram cerca de dois anos.

De que maneira a literatura infanto-juvenil pode ajudar os educadores a trabalhar a diversidade?
A arte em geral, estando a literatura incluída aí, é um veículo muito bom para trabalharmos qualquer tipo de questão, incluindo as mais "difíceis", pois ela abre novas perspectivas, proporcionando a possibilidade de questionarmos os conceitos engessados e cristalizados que a sociedade impinge a todos nós, todos os dias de nossas vidas. Através da literatura os educadores podem mostrar aos estudantes tipos diferentes de vida, diversas possibilidades de relacionamentos afetivos.

 Há cerca de um ano uma pesquisa mostrou que os homossexuais não são retratados nos livros didáticos escolares. Até que ponto isso preocupa?
A questão não se relaciona apenas aos homossexuais. No meu livro cito exemplos de livros didáticos que mostram sempre a família nuclear composta por pai, mãe, geralmente dois filhos (um menino e uma menina) sentados à mesa, compartilhando refeições. Esse tipo de família é bem distante da maioria das famílias brasileiras que podem ser compostas por pais divorciados, famílias que não têm uma mesa decente onde podem compartilhar refeições que podem ser raras. O que acontece aí, e também em relação a famílias homoparentais, é que os estudantes não conseguem se identificar, e isso faz com que muitos acabem se desinteressando pela escola, pelos livros, pela educação, já que esta não lhes diz respeito.

Quais as conclusões que você chegou?
Eu concluo que precisamos trabalhar com mais diversidade e, principalmente, desvincular a educação do conceito formulado por Paulo Freire há tantos anos: o de "educação bancária", segundo a qual os estudantes não passam de receptáculos vazios que devem ser preenchidos pela sabedoria dos mestres, sem a menor preocupação com as necessidades individuais. Há diversos tipos de estudantes, inclusive os homossexuais e suas necessidades e interesses devem ser contemplados. Além de proporcionar modelos de identificação para estes, essa inclusão de personagens homossexuais nos livros paradidáticos e até didáticos (por que não?) ajudaria os estudantes heterossexuais a encarar a questão com mais naturalidade. O tema deixaria de ser um tabu.

Existe algum tipo de literatura infanto-juvenil homossexual?
Existem alguns livros (poucos, é verdade) que tratam dessa questão diretamente, sem subterfúgios. Mas a maioria trata apenas da questão de gênero.

Como fazer com que os próprios professores adotem seu uso, levando em consideração que muitos têm preconceito?
Devido ao grande preconceito e à dificuldade de trabalhar esse tema nas escolas, seria necessário um trabalho de preparação não apenas de professores, mas de pais e de todo o corpo administrativo da escola. Não adianta um professor trabalhar a questão de maneira positiva e depois um pai, um inspetor, etc desconstruírem todo o trabalho.

O prognóstico é positivo?
Penso que as mudanças estão ocorrendo de maneira até rápida. Temos tido diversas conquistas políticas. Mas o preconceito ainda está muito cristalizado na sociedade, portanto, a luta ainda promete ser longa e trabalhosa. Mas vale a pena, com certeza.

Se a homossexualidade for trabalhada com as crianças desde cedo, através da literatura infantil, casos de bullying homofóbico vão diminuir?
Certamente, pois será formado um novo conceito, uma maneira mais natural de se encarar a homossexualidade.

De que maneira os pais – muitas vezes preconceituosos – podem ajudar nesse processo?
Como disse anteriormente, a escola precisa trabalhar a questão também com os pais, pois são aliados imprescindíveis nesse processo. Tanto que eu e Terezinha Nazar (a pedagoga que elaborou comigo o caderno de atividades presente no livro) nos preocupamos em sugerir atividades com crianças, jovens, e também com adultos, pensando justamente nos pais, professores, e funcionários das escolas.

Há preconceito em relação a livros com temática homossexual para crianças? Esses títulos são fáceis de serem encontrados?
Nas livrarias já podemos encontrar alguns títulos e várias bibliotecas escolares que eu conheço se mostram interessadas em conhecer e adquirir estes livros.

Quais os maiores entraves para a difusão desse tipo de literatura? Você acha que o mais eficaz seria a elaboração de políticas públicas?
Com certeza. Especialmente por ser um assunto bastante espinhoso e que ainda encontra muita resistência.

Qual sua opinião sobre a notícia de que o governo lançaria um plano para incluir a temática homossexual nos livros didáticos até 2011?
Acho uma atitude louvável, mas, se não for feito um trabalho de conscientização com as escolas, este plano pode ser boicotado, sob alegação de que está sendo impingido. É muito importante que as escolas tenham a compreensão de que não se está querendo fazer uma apologia à homossexualidade e, sim, mostrar às crianças e jovens que a homos

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