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Bane, Coringa e o paradigma do século XXI

Estreou nesta sexta-feira (27) a tão aguardada terceira parte da trilogia de Christopher Nolan para o Batman, “The Dark Night Rise”, que encerra (ou não) a saga de maneira impressionante e já configura como uma das melhores (se não a melhor) adaptação de HQ para o cinema. A sensação após quase três horas de filme ( o filme tem 2h50) é de devastação completa e o tom pessimista do filme é o que torna a obra de Nolan um clássico de nossos tempos, até por que o longa dialoga diretamente com anseios e mudanças sociais que o mundo inteiro está passando neste momento.

E o filme de Nolan cria diálogo com os receios sociais a partir da construção discursiva em torno dos vilões. Em “The Dark Night” acompanhamos o Coringa a espalhar o seu caos e a queimar dinheiro; já em “Dark Night Rise” nos deparamos com Bane, interpretado de maneira intensa por Tom Hardy, que tem como objetivo acabar com a “paz” que reina em Gotham City e que, consequentemente, aposentou o velho Batman. Mas quais são os significantes que podemos extrair de Coringa e Bane para afirmar que, apesar de serem personagens oriundos do universo de quadrinhos, nas mãos dos roteiristas Jonathan Nolan, David Goyer e Christopher Nolan ganham status de signos discursivos a dialogar para além do universo fantástico do qual fazem parte e se tornarem representação de alguns paradigmas que tem norteado este começo de século XXI?

Em um dos diálogos mais marcante entre Coringa e Batman em “Dark Night” o primeiro diz ao segundo que um não pode existir sem o outro e, enquanto Batman alega buscar e justificar a sua máscara para fazer justiça e restabelecer a paz, ele, o Coringa, também busca justiça, mas contra os grandes acionistas que levaram o mundo a miséria humana e esta miséria não dizem respeito ao quesito posses, mas sim a uma reificação do sujeito. Adiante, Coringa justifica então que o sistema precisa de sua anarquia até mesmo para saber se restabelecer e que o mundo não pode seguir adiante sem sujeitos sociais como ele, ou seja, aqueles que desestabilizam o establishment e que não buscam dinheiro, mas sim questionar as normas e tudo aquilo que entendemos como “funcionamento normal” das coisas.

Se Coringa é a criação do sistema financeiro e de sua opressão aos sujeitos a partir de sua lógica capitalista, Bane nasce diretamente da paz sonhada por muitos governos, aquela onde a criminalidade se resume a pequenos furtos. Mas, ao contrário de Coringa, Bane acredita que está na hora de libertar o povo desta farsa da paz absoluta e para isso apregoa que é necessário o terror sanguinário e expulsar da sociedade magnatas e sujeitos contrário ao seu ponto de vista. Diferentemente de Coringa, Bane significa a eliminação da contradição, logo, o seu projeto é ditatorial e não prevê dialética.

Coringa não deseja seguidores, mas apenas despertar o sentimento de revolução e anarquia nos sujeitos que foram “drogados” pelo sistema. Bane deseja construir uma legião cega, sem contestação. Não é à toa que a marca de Coringa seja o seu irônico sorriso e a marca de grupos cyber anárquicos deste início de século XXI seja a mascara inspirada no personagem “V”, que também carrega um sorriso: ambos estão a sorrir para o sistema e a dizer sistematicamente que os seus dias de “paz” estão terminados. Para isso basta lembrarmos do movimento Occupy que ganhou braços no mundo inteiro. O que inicialmente foi encarado apenas como um acampamento de insubordináveis tornou-se hoje o principal movimento de contestação do sistema financeiro que arruinou países e foram salvos pelos governos destes mesmos países. Cada ato deste grupo carrega a ideologia de Coringa: a anarquia como ponto de partida para uma transformação profunda e que ninguém ainda tem ideia aonde vai chegar.

Já nos mundos governados por Bane nada disso seria possível e muito menos um personagem como o Coringa. Em uma das cenas mais terríveis de “Dark Night Rise”, quando Bane vai discursar para a população de Gotham, ele deixa bem claro que não há mais escolha, porém, justifica a sua atitude ao dizer que está ao lado do povo e que esta dando uma ajuda para que este acorde. E não é esta a retórica de vários ditadores que estão sendo depostos por grupos políticos revolucionários? É sintomático nos depararmos com um Bane justo no momento em que Bashar al Assad, o ditador da Síria, tenta esmagar os movimentos que lutam para derrubá-lo e que este sempre que vai a TV diz estar ao lado do povo e que resite para livrar o país da “anarquia” dos “guerrilheiros”.

Por conta disso, Coringa, Bane e a trilogia Batman – principalmente a parte 2 e 3 é uma grande obra. Os roteiristas não se preocuparam apenas em adaptar suas histórias para o cinema, mas enxergaram nestes dois personagens significantes e dispositivos capazes de criar diálogo com os principais paradigmas de nosso tempo: as ditaduras que caem e o sistema financeiro que esfacela a cada novo governo que vive sob as imposições do FMI (Fundo Monetário Internacional). Ao mesmo tempo à vontade e o sonho de Coringa ganha corpo com cada vez mais força em todos os continentes, se estendendo em grupos que resolveram lutar para, se não derrubar o atual sistema, para pelo menos colocá-lo em cheque e partir disso fazer com que grupos políticos repensem a maneira como tem conduzido o mundo.

O Coringa é a ressignificação do mundo como conhecemos. Bane é o sistema que insiste em aplacar com todos os grupos revolucionários e paradigmáticos para que os bancos continuem a serem salvos e assim, quem sabe daqui uns dez anos, saquear novamente as nações e suas populações como observamos neste momento.

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