"Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, e imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!"
(Hino de Portugal – 1ª estrofe)
Entre os dias 11 e 14 deste maio, Portugal recebeu a visita episcopal do "Sucessor de Pedro", o papa Bento XVI. Lá foi ter o papa para celebrar junto ao povo profundamente católico daquela nação os 93 anos das aparições da Virgem Maria em Fátima; lá, ele encontrou um povo amável e hospitaleiro, que vive neste momento uma crise econômica como toda Europa.
São antigas as relações de Portugal com a Santa Sé. No momento em que Portugal nasceu como nação – século 12 – recorreu ao Papado em busca do reconhecimento de sua autonomia política; três séculos depois, o então papa Pio II homenageou o então rei português e, através deste todo o povo, com o título de "Fidelíssimo" (Bula "Dum tuam", 25/1/1460). Do rio Tejo saíram as embarcações portuguesas a conquistar novos mundos para o mundo, levando consigo a fé cristã, num serviço sem memória à Igreja.
Neste ano Portugal comemora o centenário da sua República, trazendo na aljava de sua existência uma rica história que testemunha sua fé, mas, ao mesmo tempo, sua autonomia como povo e sua organização social laica. A fé do povo português se faz concreta em seus monumentos, arte, arquitetura, literatura e em todas as manifestações culturais. A laicidade daquele Estado se faz concreta nas leis que regem tal sociedade, que vive neste momento o ápice de sua democracia, ao reconhecer como dignos de legitimidade, pela lei, o casamento (sim, ca-sa-men-to) entre pessoas do mesmo sexo.
O Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva (foto), no discurso de boas vindas ao papa Bento XVI, na cidade de Lisboa, às margens do rio Tejo, lembrou ao papa que uma das heranças que a expansão ultramarina – e com ela a expansão da fé cristã – legou a Portugal foi a abertura ao diálogo universal: "Somos, por isso, um povo vocacionado para o reconhecimento do valor da DIVERSIDADE."
Disse mais: "O país que Vos acolhe é um Portugal livre e plural, cuja identidade se deve a múltiplos contributos, e que se rege pelos princípios da promoção da dignidade da pessoa humana, da justiça e da paz." É verdade!
Em janeiro deste ano, o Parlamento Português acolheu a lei que legitima o "casamento gay", aprovando-a. Cabia ao Presidente a aprovação ou o veto. Cavaco Silva, homem católico praticante e conservador na política (é rotulado de "centro-direita"), anunciou sua decisão na última segunda-feira, dia 17 de maio (três dias após a despedida do papa Bento XVI), quando o mundo LGBT comemorava o Dia Internacional de Combate a Homofobia. Portugal faz história e dá alicerce firme à sua democracia, tornando-se o sexto país europeu que reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo.
Quanta lição Portugal dá neste momento ao seu filho Brasil! Nossa República faz, neste ano, 121 anos de existência e desde sua segunda Constituição (filha da República) traz o princípio do Estado Laico, separando a Igreja do Estado. No entanto, nosso Poder Legislativo foi assaltado pelos fundamentalistas religiosos, que formaram a Frente Parlamentar Evangélica; desde então, trabalham arduamente – e até agora, vitoriosos – contra toda e qualquer demanda legislativa da comunidade LGBT brasileira. Quanta diferença!
É uma vergonha para um país com 121 anos de República e que desde 1891 diz observar o princípio da laicidade do Estado, testemunhar o show de horrores que assistimos na última semana na Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional. Lá estava o paladino e arquiinimigo da causa LGBT, o pastor Silas Malafaia, vociferando contra os direitos civis das pessoas LGBT com sua metralhadora verborrágica, sem sentido e homofóbica. Na pauta do dia, as PLs 674/07 e 2285/07, ambas de interesse do povo LGBT do Brasil, pois uma regulamenta a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a outra o direito a adoção de crianças por casais homossexuais.
O que fazia na mais alta câmara de leis de um país laico (pelo menos no papel), um pastor evangélico midiático, verborrágico e homofóbico? Homofóbico sim, pois comparou a orientação sexual homoafetiva à zoofilia e à necrofilia! Em tom de ameaça, após ouvir o presidente da ABGLT, Toni Reis, que afirmou o amplo apoio à causa LGBT do Presidente da República, Silas Malafaia disparou: "Eu ouvi os homossexuais fazerem aqui pronunciamentos dizendo que o presidente os indicou para a ONU, que o presidente os apoia totalmente, então nós evangélicos, que representamos 25% da população, temos que pensar muito bem em quem vamos votar para presidente da República."
Em Portugal, que nos legou uma cultura profundamente marcada pela fé cristã, nenhum religioso foi convidado para debater uma questão civil como o casamento LGBT no Parlamento (aqui não pleiteamos o casamento, mas a união civil) e, mesmo me faltando dados verídicos neste momento, posso afirmar que lá, a porcentagem da população declaradamente cristã é bem maior que os 25% que o pastor homofóbico alega. Certamente que os religiosos fundamentalistas da República Portuguesa debateram o tema nos meios de comunicação, contudo, nenhum deles fora acolhido no Parlamento, para vomitarem ali seus discursos homofóbicos: por que isso acontece entre nós?
O projeto de poder dos evangélicos fundamentalistas brasileiros deixou de ser segredo de gabinete pastoral. Nosso Congresso não apenas foi invadido por eles, que lá chegaram legitimamente, pelo voto, mas também acolhe seus líderes mais proeminentes e midiáticos, como Silas Malafaia, para ali, do alto de sua arrogância nada cristã, vomitar suas asneiras contra o povo LGBT, cidadãos e cidadãs legítimos desta nação, embora cidadãos de segunda classe até o presente momento.
Por isso, peço ao Brasil: olhe para Portugal! Olhe e aprenda com a nação que é um dos alicerces da nossa história, como se comporta verdadeiramente um Estado laico. Por fim, peço a todos os que me leem: estamos em ano eleitoral, cada um de nós temos, neste momento, uma importante missão: impedir que o fundamentalismo religioso cresça, ainda mais, nos poderes executivo e legislativo de nossa nação. Essa praga, esse câncer, nós vamos destruir com a maior arma que temos enquanto cidadãos: o voto. Trabalhem para isto!
* Márcio Retamero, 36 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro – uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é: revretamero@betelrj.com.