O psicanalista Adam Philips, que lançou o livro “Monogamia”, diz que ser fiel é tão perigoso quanto a ser infiel e que o sentimento que se alimenta hoje, no caso, a posse por uma pessoa só, foi construído pelo mercado e isso faz com que as pessoas desejem “amores infinitos”. Philips acredita que a “traição” pode ser muita boa para as relações, mas que sempre terá conflitos e que o ideal “felizes para sempre” é “enganoso”.
O fato é que a poligamia ainda gera muita polêmica, até porque, as relações poligâmicas não estão no guarda-chuva das leis e da constituição. Para saber um pouco mais como funcionam tais relações conversamos com os casais Sergio, 36, e Paulo, 31, e Rosa Maria,
33, e Marieta Rios, 38. Ambos os casais vivem relações poligâmicas há mais de dez anos, no caso de Marieta e Rosa tem um diferencial: existe uma terceira pessoa fixa, mas que preferiu não participar da entrevista.
Sergio e Paulo contam que abrir a relação foi algo natural e que aconteceu no “começo do namoro. “Vínhamos de experiências anteriores, relacionamentos de pouca duração, onde tentamos reproduzir o modelo da ‘monogamia’, do aprisionamento dos corpos. O ciúme sempre foi um fator de grande desgaste”. Já Marieta conta que uma “série de situações no começo da relação” as levou a abrir o relacionamento.
Porém, as meninas contam que no começo abrir a relação assustou um pouco. “Tudo que é novo, no começo, gera medo mesmo. Natural as pessoas ficarem inseguras e sem saber muito bem para onde se encaminharão as coisas”.
Os casais também explicam o que há de diferente entre uma relação monogâmica e poligâmica. “Existem diversos arranjos que podem ser feitos. Pode ser uma relação aberta apenas no aspecto sexual, pode ser que haja relações complementares, podem ser relações simultâneas, como um casamento a três, pode existir a relação principal e relações secundárias. O importante é não cair numa querela romântica, achando que uma pessoa complementa a outra em tudo, e para sempre. Essa bobagem que nos é vendida há mais de 200 anos, de maneira sistemática, é causa primária das frustrações e dos fracassos nos relacionamentos” acredita Sérgio.
Já para Marieta e Rosa “a grande diferença está na variedade, nas possibilidades, nas novidades, pois, na relação fechada não há liberdade como na aberta, no sentindo de não reprimir sentimentos, ações e desejos”.
Em um relacionamento aberto, várias pessoas transitam de um lado e do outro, será que tal diversidade de sujeitos gera ciúme? E como será que os casais lidam com tal fator? “De vez em quando rola um ciuminho, alguma insegurança, mas, sobretudo saudades por não necessariamente estar junto o tempo todo, não necessariamente fazer tudo junto. Mas, são dez anos juntos, e o balanço geral é positivo”, conta Sergio.
Rosa Maria e Marieta dizem que sempre há “ciúme”, mas que lutam contra ele por entenderem ser um tipo de controle. “A questão do ciúme existe para todo ser humano, não? E ele deve ser trabalhado seja para casais de relação fechada ou aberta. Se há sinceridade e verdade entre as partes, por qual motivo teremos ciúmes? O ciúme é um sentimento que demonstra posse e controle sobre a outra pessoa. Devemos lutar o tempo todo contra ele. Mas claro, poderá estar presente em algumas situações”, diz Marieta.
Sérgio tocou num ponto interessante que são os acordos para os variados tipos de relação aberta. “Mantemos uma relação principal e não há restrições quanto a outras relações sexuais ou mesmo eventuais. Não necessariamente discutimos detalhes de tudo o que acontece, para evitar desgastes desnecessários”, explica Sérgio.
“O acordo é agir com a verdade e sinceridade, antes de mais nada. Depois de mais de 15 anos juntas, não é necessário mentir ou enganar. E o principal de nosso acordo é nunca constranger a outra. Uma coisa é você sentir desejo por outro alguém. Outra diferente é expor a pessoa com quem você vive por conta disso”, revela Marieta.
Depois de tanto tempo juntos e em uma relação poligâmica, será que os nossos entrevistados vivenciariam uma relação monogâmica nos dias de hoje? . “Embora não seja tão simples administrar um relacionamento aberto, voltar para um relacionamento fechado seria impensável. Seria reabrir questões que já estão resolvidas. É preciso deixar o outro livre para poder viver plenamente uma relação. Fidelidade é compromisso, respeito, cuidar do outro e não monogamia”, diz Sérgio.
“Nossa relação segue como sempre foi: aberta e sem preconceitos ou cobranças. É mais fácil ser feliz assim. Fechar a relação é se fechar para o mundo… E estar aberto para ele não significa que não ame muito a minha querida Rosa Maria e ela a mim”, conta Marieta.
As aspas finais de nossos entrevistados estão em sintonia com outra teoria do psicanalista Adam Philips, que foi citado no início da reportagem. Philips diz que independente da relação ser monogâmica ou poligâmica, o que importa é que as pessoas vivam “boas histórias”. Adam Philips diz que “num relacionamento, o que você precisa é criar uma história na qual se sinta vivo com a outra pessoa”.
*Matéria publicada originalmente na revista A Capa #52