No metrô não conseguia me concentrar no livro. Em lugar de Policarpo Quaresma já conseguia ver ali o meu nome: “O triste fim de William Magalhães”. Desisti da leitura jogando o livro em algum lugar na mochila e numa tentativa inútil de ficar calmo, fiz baldeação para pegar a linha azul e descer na São Bento.
Como parte da apuração para uma matéria sobre jovens gays e Aids decidi que ia a um dos CTA – Centro de Testagem e Acolhimento – da prefeitura de São Paulo fazer o teste de HIV. Apesar de as possibilidades de estar infectado serem de 0,00001%, devido a uma falta de vida sexual ativa (ou passiva, ou whatever) há pelo menos uns seis meses (vamos pular esse assunto) e a minha última relação ter sido com camisinha e com um ex-namorado, pensar na hipótese de ter Aids às vésperas de completar 21 anos não é das mais legais.
Isso tudo ocupava minha cabeça quando entrei na Avenida Libero Badaró tentando andar mais depressa que as pessoas lerdas na minha frente para chegar ao número 144, onde fica o CTA Henfil. Era hora do almoço e não tinha ninguém para fazer a coleta antes de mim.
A enfermeira perguntou se eu havia passado por alguma situação de risco recentemente. Disse que não e expliquei que estava fazendo uma matéria sobre jovens gays e o HIV. Posteriormente ela falou que qualquer relação sexual – oral, vaginal e anal – sem o uso de camisinha é considerada situação de risco. Opa, peraí. A última vez que fiz boquete foi sem camisinha – isso eu não falei pra ela. Droga! A gente e a nossa mania besta de achar que sexo oral não é sexo…
Ela pediu meu RG, perguntou onde eu morava e como fiquei sabendo do CTA – nessa hora ainda nervoso, eu nem lembrava. Um amigo tinha me falado da existência do centro, mas eu encontrei informações e o endereço facilmente no site da prefeitura durante a apuração. A enfermeira me deu uma espécie de contrato que eu podia assinar ou não, autorizando, caso o exame desse positivo, que fizessem novamente o exame com a mesma amostra de sangue coletado.
Fomos enfim para a coleta. A enfermeira amarrou o elástico no meu braço, deu uma picadinha e pronto. O resultado sai em dez dias corridos e só eu posso pegar. Aliás, no momento em que a ficha é preenchida perguntam pra gente se autorizamos que eles nos contatem e por qual meio se dará esse contato – e-mail, telefone ou carta. Escolhi telefone e fui logo passando o celular. Imagina se chega uma carta em casa, minha mãe vai achar que eu fiz besteira. Não que não tenha feito, mas disso ela não precisa saber.
Toda essa história é para dizer que o Ministério da Saúde divulgou no final de novembro o boletim epidemológico de 2007 com dados atuais sobre o contágio de DST/AIDS no Brasil nos últimos vinte anos. A informação mais “quente” apresentada que mais diz respeito a nós gays é que em homens com mais de 13 anos observa-se crescimento da epidemia em heterossexuais e estabilização entre homo e bissexuais.
Segundo o boletim essa ainda não é uma análise a ser comemorada efetivamente. O Ministério diz que a tendência é de crescimento de casos em gays ou bis mais jovens. Tanto que para este ano a campanha do Dia Mundial de Luta Contra a Aids, em primeiro de dezembro, do Programa Nacional de DST/AIDS, é voltada para este segmento, incluindo aí mulheres e garotos homo ou bissexuais.
Com todas essas campanhas é de se estranhar porque há previsão de crescimento dos casos de infecção nesse setor da sociedade. Irina Bacci, coordenadora do projeto REDES, que capacita ativistas para atuar na área de direitos humanos GLBT e prevenção de DST/Aids no Estado de São Paulo, aponta um desgaste no discurso de prevenção como uma possível causa. “É uma resposta a forma como elaboramos até hoje nosso discurso de prevenção, baseado nas estatísticas, sem muitas vezes ter um olhar transversal a todos os vetores”.
Irina observa ainda que a discussão sobre epidemia e juventude é bem complexa. Dizer por exemplo que os jovens não se previnem porque não viveram a época mais trágica do HIV é não dar à questão todos os méritos. “Justificar o atual perfil da epidemia pelo simples fato de que esses jovens não vivenciaram a epidemia nos anos 80 e, com isso, não se sensibilizaram ou temem menos a epidemia, acho que é reduzir o problema”, diz.
Fato claro para a coordenadora nos dias de hoje é que os jovens não mais se encaixam em concepções datadas. “Eles não se vêem como gays, nem como bissexuais, nem como heterossexuais, eles se vêem como jovens cheios de tesão e vontade de vivenciar a sexualidade de forma livre, sem medo e sem culpa”. Como o discurso carrega esses elementos, “os jovens não nos escutam e não aderem, na maioria das vezes, às campanhas de prevenção”, diz Irina.
A falta de adesão dos jovens é justamente o problema na visão de Vitor*, de 19 anos. Recentemente o estudante de jornalismo publicou em seu blog um post dizendo se sentir feliz, aliviado e declarando amor a vida. O motivo? Fez o exame de HIV e o resultado deu negativo. O rapaz considera isso muita sorte.
Antes de fazer o teste Vitor estava arrependido. Teve duas relações sexuais com dois rapazes diferentes e em nenhuma delas usou camisinha. Questionado se achava que havia falta de informação disponível aos jovens sobre o assunto o estudante foi categórico em sua resposta. “Pelo contrário, o que falta é adesão”.
Prova dessa falta é a idade dos parceiros de Vítor. “O primeiro deles tem 28 anos e a relação foi no final do primeiro semestre, o segundo tem 22 e a relação foi há dois meses”, revela. Nenhum deles se objetou ao sexo sem preservativo? – pergunto. “O primeiro não, já o segundo até perguntou se eu tinha camisinha, mas como eu estava sem ele, disse que não haveria problema, seria rapidinho e só um pouquinho, quando eu vi, já tinha ido tudo”, conta o blogueiro, que foi ativo em ambas as relações.
Vítor diz ainda que se sentiu apreensivo antes do resultado do teste. “Eu estava apavorado, fiz diversas promessas, já me sentia doente, só faltou tomar remédio”, diz aliviado. A lição que tirou disso tudo foi que “se deve mesmo usar camisinha”. “Às vezes a gente aprende do jeito mais duro. O resultado foi uma segunda chance”, completa o estudante, que quer usar camisinha em suas próximas relações sexuais.
Assim como este repórter que vos escreve, Vítor procurou também um CTA para fazer o exame. O moço diz que achou a equipe bem preparada. “A aconselhadora quis saber o porquê de eu não ter usado camisinha. Quis trabalhar essa questão”, diz emendando que já tem um retorno marcado.
Irina faz um elogio que Vitor certamente gostaria de ouvir. “O exame é uma decisão inteligente dos jovens”. Para ela o medo é natural, mas “os jovens não se devem privar do exame por medo, pelo contrário, o exame nos ajuda a enfrentar a epidemia de forma consciente e séria.”
A coordenadora acredita que uma atitude a ser tomada na luta contra HIV/Aids é ser mais responsável por nossa saúde e por conseqüência com a do coletivo ao nosso redor. O melhor disso é que qualquer um pode fazer, incluindo você aí com a revista na mão lendo esta matéria.
“Acho que falta as pessoas entenderem que nós não somos somente responsáveis pela nossa saúde, mas também pela saúde de nossos parceiros e parceiras, sejam parcerias fixas ou não, cuidar da minha saúde é cuidar da saúde do coletivo. Essa falta de consciência coletiva é um dos fatores de insucesso, ao meu ver, nos nossos discursos de prevenção”, conclui.
A propósito, o resultado do teste está no meu blog no site A Capa. A gente ainda precisa debater muito esse assunto. Para ler o blog, clique aqui.