Já é notícia antiga que uma intelectual ítalo americana é apaixonada pela precursora do samba reggae, considerada a rainha do circuito Barra-Ondina, e pioneira no negócio dos camarotes de celebridades na Bahia. Estou falando de Camille Paglia e Daniela Mercury, respectivamente.
Camille é considerada uma intelectual de primeira linha e das mais influentes do mundo contemporâneo. É provocadora por excelência e o público brasileiro a descobriu em 1992 com a publicação do livro Personas sexuais, depois vieram Sexo, arte e cultura americana (1993), Vampes e vadias (1997), Os pássaros (1999) e outros livros polêmicos. Ela gosta de fazer declarações bombásticas da arte clássica ao cinema, da música popular ao feminismo, do comportamento sexual à religião. Fora isso, esta senhora é Ph.D em língua inglesa pela Universidade de Yale e professora no Philadelphia College of the Performing Arts. Poderosa!
Detalhe pitoresco: parece que ela sofre da síndrome Maria Gadú, não sabe se gosta de garotas ou garotos… Ela teria declarado ser lésbica e, tempos depois, pasme, negou veementemente. Agora, Camille está em São Paulo participando de um evento bem diferente do circuito Barra-Ondina de Salvador, precisamente o 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural (no Sesc Vila Mariana) e andou criticando Michel Foucault, outro pensador famosão francês que era gay enrustido e dizia, entre outras coisas, que a sexualidade é poder e política.
Voltando ao fuxico lésbico, Paglia, na sua fala no congresso, afirmou que Susan Sontag era “pretensiosa e que um de seus grandes méritos foi discordar do feminismo estabelecido”. Para quem não conhece, Sontag foi outra grande pensadora americana lésbica ou bissexual, não se sabe ao certo porque não se assumiu publicamente, foi casada pouco tempo e teve um filho nos anos 50, apesar de namorar lindas, gostosas e inteligentes damas a vida toda.
Padeceu com vários cânceres e um deles acabou com ela, depois de longo sofrimento, em dezembro de 2004, aos 71 anos de idade. Ela foi acompanhada e fotografada durante a sua agonia pela última namorada, a não menos célebre fotógrafa americana Annie Leibovitz (finalmente uma lésbica assumida, ufa!, que fotografou Lennon com Yoko Ono, Demi Moore, a turnê dos Rolling Stones para a revista Rolling Stone, dentre outras personalidades).
Camille Paglia invejava, ou melhor, inveja até hoje Susan Sontag, que foi considerada uma das críticas mais influentes, provocativas e controversas dos Estados Unidos. Abalou a cultura norte-americana com a publicação do ensaio Notes on camp em 1964 e se tornou uma das luzes na cena literária de Nova York. Foi uma sofisticada analista de sua experiência com o câncer em A doença como metáfora; tornou-se ainda mais famosa como a grande defensora da liberdade no caso Salman Rushdie; como diretora teatral na Saravejo e, finalmente, pela publicação do livro O amante do vulcão (1992), como romancista de sucesso.
Como importante pensadora, Sontag popularizou a atitude “isso é tão ruim que parece até bom”. No final da vida, em 2001, poucos dias depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, atacou a política externa dos Estados Unidos e fez elogios aos terroristas. Li outro dia num livro que, durante uma turnê para o livro O amante do vulcão, a escritora declarou a um entrevistador de televisão americano que ela nunca ouvira falar de Camille Paglia. Pura provocação, claro! Dizem que na época Paglia teria comentado: “Eu venho perseguindo aquela vagabunda há 25 anos e finalmente a ultrapassei!”.
Babado forte que continuou com comentários de Sontag afirmando que Camille devia “entrar numa banda de rock”, que era “vingativa, vulgar e repulsiva”, e com Paglia rebatendo com outros desaforos. Acho tão engraçado essas duas sapas intelectuais jogando insultos uma na outra por tantos anos, esse jogo de egos do tamanho do Maracanã, qual seria a razão?
Pelo visto, até hoje a fúria de Paglia contra Sontag permanece e parece que tem relação com o fato de Susan ter sido até o final enclosetada. Dizem que Paglia odiava o silêncio de Sontag sobre as questões homossexuais nos vinte anos consecutivos a Stonewall (1970 a 1990) e declarou que a falta de pronunciamento da outra sobre sua orientação sexual era apenas parte de seu “insulamento monárquico da realidade”. Por outro lado, esta lá no livro Susan Sontag , a construção de um ícone, de Carl Rollyson e Lisa Paddock, que Paglia havia sido ridicularizada e criticada por sua reivindicação de que “Eu sou a Sontag dos anos 90, não há dúvida disto!”
Dizem que, quando Paglia conheceu Daniela Mercury em 2009 , sentenciou em um artigo que a cantante baiana era “a diva brasileira que Madona queria ser”. Não se sabe se a veneração foi pela voz, pelo corpão ou perfomance da baiana, o fato inquestionável é que Camille é vidrada na moça até hoje.
Agora, neste evento em São Paulo, ela contou que “saiu do armário” na universidade de Yale no final dos anos 60 para ganhar o respeito dos homens, mas não tinha vida amorosa e invejava os gays masculinos “que sempre faziam sexo no banheiro da biblioteca”.
Bom, isso me faz lembrar uma frase do dândi Oscar Wilde, que entendia de fuxicos como ninguém: “Só há uma coisa no mundo pior do que ficar falado: é não ser falado”.
* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.