A frase do título desta matéria foi dita por Laerte, 59, e sintetiza o atual momento de um dos principais cartunistas do Brasil, que ficou conhecido por suas tiras publicadas no jornal "Folha de São Paulo".
Mas que novo mundo de possibilidades é esse? Laerte revela que está se montando e frequentando grupos de crossdressers. De acordo com o cartunista, quando ele usava roupas masculinas, era como se estivesse "vestindo" outra pessoa. Já com o aparato feminino, ele diz que portas se abriram "para um monte de desafios, propostas e sugestões".
Nesta entrevista, Laerte conta que tudo faz parte de um processo de "ressignificação" de sua pessoa e revela ainda a experiência de levar uma cantada de outro homem.
Você falou da descoberta de novos rumos e prazeres diferentes. O fato de você estar se montando tem a ver com isso?
Sim. É uma porta que se abre, é um mundo diferente, é uma nova rede de possibilidades de viver, de transformar, de fazer amigos e de influenciar pessoas.
Essa questão de diferentes prazeres envolve a questão de atração e sexualidade?
Envolve. Mas essa é uma área que eu não abro, que mantenho privada. Costumo dizer que sou bissexual e ponho limite a isso. A minha história sexual tem as duas coisas. O gênero e a sexualidade são áreas diferentes. Nesse mundo de crossdressers e travestis, existem heterossexuais também. A vontade de cruzar a fronteira do gênero nem sempre é a vontade de ter também um contato homossexual. Existem homossexuais que não são transgêneros e existem transgêneros que são heterossexuais.
Você declara que esse é um desejo que se anuncia há muito tempo. Você reprimiu?
Eu digo que não tinha consciência disso. O que tenho reparado nas conversas com as pessoas hoje é que todas as experiências de adulto começaram sempre na infância, é quase unânime você escutar: ‘aos seis, sete anos eu me vestia com a roupa da irmã, eu pegava o vestido…’
E aconteceu isso com você?
Mais ou menos. Eu gostava de saiotes, me vestia de grego, mas era uma coisa confusa e meio nebulosa. O que sinto é que quando me travesti pela primeira vez foi como se tivesse reencontrado uma sensação de familiaridade, não era uma ideia estranha. Gostava de algumas coisas que pertenciam ao universo feminino, como cozinhar, costurar, sempre quis fazer essas coisas.
Você declarou que em alguns momentos se veste com roupas femininas dos pés à cabeça e vai para a rua. Já mexeram com você?
Já (risos).
E como foi?
O cara estava completamente bêbado. Foi divertida a experiência. Foi inédito ser cantado vestindo o aparato feminino. Foi curioso porque existe na abordagem do macho uma peculiaridade que é diferente e de certa forma específica desse tipo de trâmite. É diferente da cantada homossexual e da heterossexual. Tem essa cantada transgênero que é engraçada. É uma experiência nova.
Qual o guarda-roupa que hoje te interessa mais?
O feminino. O guarda-roupa masculino virou uma coisa sem sabor, uma coisa sem muito critério. Quando uso o guarda-roupa masculino visto qualquer coisa, qualquer calça. Então, a roupa masculina para mim era como se estivesse vestindo outra pessoa. E vestir roupa feminina é abrir as portas para um monte de desafios, propostas e sugestões.
Você ainda frequenta o grupo de crossdressers?
Frequento. A gente tem tentado manter esse grupo unido, temos tentado manter uma certa rotina de encontros. Mas não é muito fácil, pois é um grupo bem volátil, tem pessoas que aparecem e se entusiasmam, mas depois deixam o grupo por medo ou por excesso de situação. Os comportamentos são muitos erráticos, então tem gente que se encontra naquilo e fica à vontade. Tem outros que vêm e ficam nervosos e atônitos com as possibilidades. Entram em pânico. Por isso, o grupo varia muito.
* Matéria originalmente publicada na edição nº 38 da revista A Capa.