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Cazuza: Vinte anos sem o cometa da MPB; amigo Ezequiel Neves morre na mesma data

E lá se foram vinte anos. Em 7 de julho de 1990, o Brasil perdia Agenor Miranda de Araújo Neto, o Cazuza. Um dos maiores poetas de sua geração, cantor e compositor que passou riscando os céus da MPB como um cometa, em apenas nove anos de carreira.

Nascido no Rio de Janeiro em 4 de abril de 1958, Cazuza foi um rebelde desde criança. Filho único de Lucinha Araújo e João Araújo – executivo da gravadora Som Livre -, o menino cresceu tentando transgredir regras e limitações, e transformou-se num adulto perdido, sem um rumo profissional definido.

Até que em 1981, enquanto fazia o curso de teatro do Circo Voador, no Arpoador, Cazuza foi indicado por Léo Jayme para ser vocalista de uma banda de rock iniciante: o Barão Vermelho. A empatia entre Cazuza e os quatro músicos foi imediata. Roberto Frejat, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros formaram com o cantor um time explosivo.

O primeiro disco veio em 1982, na Som Livre, depois de certa resistência do pai de Cazuza, que temia ser acusado de nepotismo. O LP não fez sucesso, apesar da qualidade musical e da espontaneidade das letras de Cazuza. Já surgia ali seu estilo visceral e desbocado, em faixas originais como "Down em Mim" e "Posando de Star".

O segundo disco, de 1983, ia pelo mesmo caminho, até que Ney Matogrosso – com quem Cazuza havia tido um rápido caso em 1980 – resolveu regravar a faixa "Pro Dia Nascer Feliz", que estava neste segundo LP. A música estourou com Ney, e as rádios passaram a tocar também a versão original do grupo. Nascia esse que até hoje é um dos maiores hits do Barão.

Em 84, o terceiro disco trouxe o grupo já consagrado, e embalado por hits nacionais como "Bete Balanço" e "Maior Abandonado". O sucesso era imenso, mas Cazuza começava a ter crises com a banda. Disposto a seguir seu próprio caminho musical, não tão ligado ao rock como o Barão queria, Cazuza deixou a banda em 1985.

Começava sua carreira solo, com o disco "Exagerado" em 1986. Sozinho, ele pode dar vazão às suas outras paixões musicais: a chamada "música de fossa", de artistas como Maysa, Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues. Misturando rock, samba-canção e bossa nova, Cazuza criou sua sonoridade particular. Vieram mais dois discos, até que o astro virou assunto por uma razão não musical: em fevereiro de 89, ele assumiu ser soropositivo.

Em meio à luta pela vida, Cazuza ainda lançou mais dois discos – um deles ao vivo -, e acabou sumindo de cena na manhã daquele sábado 7 de julho, no Rio. O Brasil inteiro sentiu a morte de Cazuza, e naquela noite o show da banda Legião Urbana na carioca Praça da Apoteose reuniu Frejat e amigos na plateia, com homenagens emocionadas dedicadas a Cazuza pelo vocalista da Legião, Renato Russo – que, ironicamente, também seria vítima do HIV apenas seis anos depois.

Cazuza marcou sua passagem no rock, no pop e na MPB, seja em seu trabalho no Barão – com letras boêmias e rebeldes, focalizando o mundo da noite, dos bares, dos porres e das relações fugazes -, seja como artista solo – onde amadureceu e se aprofundou na análise do amor, além de se revelar um surpreendente e certeiro crítico da política brasileira.

Na primeira fase, com o Barão, pérolas incríveis como "Posando de Star", "Down em Mim", "Conto de Fadas", "Narciso", "Dolorosa", "Nós", "Vem Comigo" e "Carente Profissional", entre muitas outras, foram produzidas. Na fase solo, Cazuza entregou canções-símbolo que até hoje são entoadas em karaokês e regravadas por outros artistas, como "Exagerado", "Codinome Beija-Flor", "O Nosso Amor a Gente Inventa", "Faz Parte do Meu Show", "Ideologia", "O Tempo Não Pára" e "Brasil".

Na vida pessoal, claro, Cazuza também fez questão de ser ousado. Já em 84 declarava à revista "Playboy" que era bissexual. Apesar de tal imagem, o músico costuma ser mais associado à questão gay do que a romances com mulheres. Seu caso com Ney Matogrosso, bem como outras situações, são relatadas no livro "Só as Mães São Felizes", lançado pela própria mãe de Cazuza, Lucinha Araújo, em 1997.

Além da sexualidade, ele também botava a boca no mundo em entrevistas ao comentar sobre drogas, política, religião e o que mais viesse pela frente – inclusive, como se sabe, a questão do HIV. Cazuza foi um pioneiro corajoso ao se expor, numa época em que Aids era tabu, considerada ainda "uma peste gay", e quando um teste positivo significava uma condenação rápida à morte.

Infelizmente Cazuza não pode esperar os avanços no tratamento contra a síndrome, e partiu cedo demais, como outros colegas ilustres: Elis Regina, Raul Seixas, Renato Russo, Cássia Eller, Chico Science…

Talvez isso tenha ajudado a reforçar o mito em torno do cantor. O fato é que, como diria uma letra do Barão Vermelho, "O Poeta Está Vivo". Cazuza segue fortalecido, tendo suas músicas escutadas, regravadas, seus clipes e entrevistas esmiuçados no YouTube, sua figura idolatrada, suas biografias devoradas, seu nome citado e abençoado. Lucinha acertou ao fundar uma ONG que cuida de crianças soropositivas, e foi profética ao batizar a sociedade com a expressão: "Viva Cazuza!"

Amigo e empresário Ezequiel Neves morre no mesmo dia que Cazuza
E para quem ainda duvida da energia intempestiva de Cazuza, eis um acontecimento para refletir. Nesta quarta, 7 de julho de 2010, exatamente vinte anos depois da morte do cantor, faleceu Ezequiel Neves.

Zeca, como era chamado, foi produtor musical, jornalista, crítico e empresário. E o principal descobridor do Barão Vermelho. Em 1982, ao escutar na casa do produtor Leonardo Netto uma fita cassete com gravações amadoras da banda, Zeca não pestanejou: roubou a fita e levou para a Som Livre, tentando convencer João Araújo a gravar aquele que seria o primeiro disco do Barão.

Neves se tornou empresário do Barão e amigo inseparável de Cazuza. Mesmo na saída do cantor do grupo, Ezequiel manteve-se fiel: continuou empresariando a banda, e ao mesmo tempo colaborando com Cazuza.

A amizade entre Cazuza e Zeca foi antológica. Companheiros de baladas, porres e aventuras malucas, os dois tinham uma ligação profunda. Foi Zeca a primeira pessoa para quem Cazuza contou que era soropositivo.

A própria canção "Exagerado", gravada pelo cantor em 1986, era em grande parte dedicada não a Cazuza, e sim a Ezequiel – o maior exagerado de todos os tempos. Zeca morreu aos 74 anos, vítima de falência de órgãos em decorrência de um tumor no cérebro. Ele estava internado desde janeiro no Rio.

Uma figura querida por todo o meio musical do Brasil, Zeca Jagger – um de seus apelidos devido à paixão por Rolling Stones – parte na mesma data que Cazuza, talvez atendendo a um chamado do próprio cantor: "E por você eu largo tudo… carreira, dinheiro, canudo… até nas coisas mais banais! Pra mim é tudo ou nunca mais…"

Discografia de Cazuza:
Barão Vermelho – 82
Barão Vermelho 2 – 83
Maior Abandonado – 84
Barão Vermelho no Rock in Rio – 85
Exagerado – 86
Só Se For a Dois – 87
Ideologia – 88
O Tempo Não Para – 89
Burguesia – 89
Por Aí – 91 (póstumo)

Filmografia de Cazuza:
Bete Balanço – 84, de Lael Rodrigues
Um Trem para as Estrelas – 87, de Cacá Diegues

Livro:
Só as Mães são Felizes – 1997, de Lucinha Araújo e Regina Echeverria – Editora Globo

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