Parte da programação do Festival Mix Brasil, o Dramática – Ciclo de Leituras Teatrais sobre Homoerotismo e Sexualidade traz este ano nove textos, cinco a mais em relação aos anos anteriores.
Na mostra Dramáticas Selecionadas, ganham leitura encenada quatro trabalhos inéditos, escolhidos pela curadoria a partir de inscrições realizadas na primeira quinzena de outubro. No Dramáticas Montadas são apresentados espetáculos já produzidos ou em processo de produção. No Dramática Especial, o blogueiro do jornal Folha de S. Paulo, Duílio Ferronato, estreia Se você me amasse (foto). E, finalmente, no Dramática Histórica, Mart Crowley é homenageado com a leitura de Os rapazes da banda, clássico que em 1972 garantiu o prêmio Molière para Raul Cortez.
Nesta entrevista ao site A Capa, o jornalista e professor da Escola de Artes Dramáticas da USP (ECA-USP), Ferdinando Martins, que divide a curadoria do evento com o produtor e um dos diretores do Mix Brasil João Federici, explica como aconteceu a escolha dos textos e, ao analisar a atual fase da dramaturgia gay (ou homoerótica como prefere chamar), aponta uma "melhora qualitativa" na produção dramatúrgica com a temática da diversidade sexual no país.
Como você avalia o processo de seleção dos textos este ano? Houve alguma surpresa?
Recebemos 45 textos durante o período de inscrições. É um número que surpreende, considerando o recorte do Dramática, de receber somente textos dramatúrgicos focados na questão da diversidade sexual. Sentimos também uma melhora qualitativa nos textos enviados, a maioria de bom nível e prontos para serem montados. Foi difícil escolhermos só quatro. Queremos, porém, no primeiro semestre de 2010, conseguir fazer a leitura dos que ficaram de fora.
Algumas peças que serão lidas no Dramática entrarão em cartaz posteriormente. Isso foi uma mera coincidência?
Não. A partir deste ano, o Dramática passou a ter quatro blocos diferentes. No Dramáticas Selecionadas estão as peças que foram escolhidas por meio de edital e só entraram textos inéditos. No Dramática Histórica, temos o resgate de um texto clássico da dramaturgia homoerótica. No Dramática Especial, entra um autor convidado, cujo espetáculo estreia durante o ciclo, mas continua em cartaz depois. Por fim, no Dramáticas Montadas são apresentadas peças que estiveram em cartaz ou, no mínimo, já foram apresentadas ao público. É claro que desejamos que todas possam entrar em cartaz, como aconteceu com a primeira edição, mas isso depende de vários fatores, sobretudo patrocínio e produção. Mesmo assim, estou feliz porque Se você me amasse, do Duílio Ferronato, do Dramática Especial, tem temporada prevista até 16 de dezembro e, provavelmente, Querência (foto à dir.) e À beira do mar aberto devem estrear no próximo ano, entre outros projetos que ainda estão embrionários.
Como aconteceu o encontro com a peça Rapazes da Banda? Qual a importância que o texto tem hoje?
Esse texto é uma delícia! Marcou época, mas permanece muito atual. Na pesquisa que faço sobre a censura à homossexualidade no teatro, encontrei o texto no Arquivo Miroel Silveira, da ECA-USP, onde sou professor. Eu já sabia de sua existência, mas nunca tinha lido. É uma gay party, com diálogos rápidos e mordazes. Comentei sobre o texto com o João Federici, que divide comigo a curadoria, e ele também ficou fascinado. Os Rapazes da banda estreou em Nova York, off-Broadway, em 1968. Em 1970, o ator John Herbert assistiu à peça nos Estados Unidos e resolve trazê-la para o Brasil, com produção dele e de Eva Wilma (sua esposa na época). Os Rapazes da banda teve, nessa montagem, um elenco estrelado: além do próprio Herbert, participaram Walmor Chagas, Raul Cortez, Antonio Pitanga, Denis Carvalho, Tony Ramos e Osmar Prado. Estreou em São Paulo, em 1972, no Teatro Cacilda Becker, com direção de Maurice Vaneau e fotografias de Vânia Toledo. Nada disso impediu que fosse censurada um dia após a estreia no Rio de Janeiro, no Teatro Maison de France, porque a mulher de um general se sentiu agredida pela temática. Para o Dramática, a Vânia Toledo cedeu gentilmente o uso das imagens feitas na época, que estarão no catálogo do Festival Mix Brasil. E a leitura será dirigida pela Viviam Buckup, justamente a filha de John Herbert e Eva Wilma.
Apenas 2 dos mais de 45 textos enviados retratavam o universo das mulheres lésbicas. Por que a produção com essa temática é, aparentemente, tão invisível?
Pois é! Isto é um mistério! Na área de cinema e vídeo, a produção de/sobre mulheres lésbicas também é menor que a gay. O curioso é que tanto em 2008 quanto agora, os textos "lésbicos" foram escritos por autores homens! É o caso de Solidão, do Leo Lama, que foi lido no ano passo pela Débora Duboc e pela Adriana Londoño, e Les, de Ronaldo Ventura, ganhador do Prêmio Cultural LGBT – 2009, da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura. Quem sabe não convidamos uma dramaturga lésbica como convidada especial para a próxima edição? Pode ser um jeito de incentivarmos essa produção e trazermos as mulheres mais para perto do Dramática.
Esta é a terceira edição do evento. Ao longo desses 3 anos, o que se pode concluir sobre a dramaturgia essencialmente gay?
Essa é uma pergunta importante, mas a resposta, se existe, não é fácil. O que é exatamente uma dramaturgia gay? O que faz uma produção cultural ser considerada LGBT? Tenho a impressão que a homocultura é algo que existe, que todos sentimos sua presença, mas que não sabemos defini-la com precisão. É isso que eu e outras pessoas temos debatido ultimamente e é o tema do grupo de trabalho que eu coordeno no Programa de Estudos da Diversidade (Homo)Sexual da USP. No caso do Dramática, evitamos falar de uma dramaturgia gay, mas sim de uma dramaturgia sobre o homoerotismo e a diversidade sexual. Nesse sentido, acho que vamos muito bem. Da primeira edição, todos os textos estrearam posteriormente. Na segunda e na terceira, pudemos ver que há ainda muito espaço para crescimento e para abrigar novos autores e autoras e novos projetos. Esse é exatamente o objetivo do ciclo, promover o debate sobre a homocultura e estimular a produção dramatúrgica voltada para a diversidade sexual.
Serviço:
3º Dramática – Ciclo de Leituras Teatrais sobre Homoerotismo e Sexualidade. Data – De 18 a 22 de novembro. Locais – Museu da Língua Portuguesa Praça da Luz, s/n – Centro Tel.: (11) 3326-0775. Entrada franca. Oficina Cultural Oswald de Andrade. Rua Três Rios, 363. Tel.: (11) 3221 5558. Entrada franca. Espaço dos Satyros I. Praça Roosevelt, 214. Tel.: (11) 3258 6345. R$ 30 (inteira).
A programação completa do Dramática estará disponível em breve nos sites www.mixbrasil.org.br, www.prefeitura.sp.gov.br/cads e www.cooperativadeteatro.com.br.