Dirigido pelo cineasta Marcelo Caetano, está sendo produzido em São Paulo o documentário ainda sob o título provisório de "Memória e Homossexualidade", que pretende desvendar histórias de homossexuais que vivenciaram a cidade nas últimas décadas.
O objetivo de Marcelo Caetano com o projeto, contemplado pelo edital de apoio a curtas-metragens do Ministério da Cultura, é trazer à tona histórias de vida com especial enfoque nas décadas de 50, 60 e 70. Com isso, o cineasta espera construir um panorama histórico da homossexualidade em São Paulo.
No momento, o projeto está em fase de pesquisa e procura pessoas que aceitem participar de conversas com o diretor. Nesta entrevista exclusiva, Marcelo Caetano conta um pouco sobre sua trajetória profissional, explica sobre as ideias do documentário e adianta detalhes do projeto. Leia a seguir.
Me fale um pouco sobre sua trajetória profissional.
Comecei a trabalhar com cinema há uns quatro anos, quando cheguei em São Paulo. Já fui assistente de direção do longa "Filmefobia", de Kiko Goifman, e curador-assistente do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. Já dirigi diversos documentários para entidades de direitos humanos. E meu primeiro projeto pessoal foi o curta "A Tal Guerreira", sobre a cantora Clara Nunes, que estreou em agosto de 2008 no Festival de Curta e já foi exibido em mais de 20 festivais no Brasil, França e Portugal. Depois dirigi um documentário para o projeto de História dos Bairros de São Paulo sobre a Cohab Itaquera, que deve estrear na TV em breve.
"Memória e Homossexualidade" é meu primeiro projeto como diretor finalizado em 35mm.
Como surgiu a ideia do documentário?
O projeto do documentário surgiu da minha vivência no Centro de São Paulo e do meu encontro com as memórias de pessoas que participaram da formação da identidade gay na cidade. Sou formado em Ciências Sociais na USP, onde estudei Antropologia e, durante o curso, me dediquei a pesquisas em relação à sexualidade e à questão da memória.
Quando escrevi o projeto, deixei um pouco o antropólogo de lado e construí narrativas em torno de pessoas que viviam habitadas por memórias, mas que ao mesmo tempo curtiam intensamente o presente. Enviei então o projeto para um concurso de Curtas-Metragens do Ministério da Cultura, e quase um ano depois recebi a notícia que meu projeto fora escolhido para receber o patrocínio.
Como as pessoas poderão participar do projeto?
No momento estamos fazendo a pesquisa do filme, levantando locações, personagens, ouvindo muitas histórias. Existem duas possibilidades de participação no filme. A primeira é dar depoimentos e contar histórias sobre as transformações ocorridas na homossexualidade nas últimas décadas, sempre partindo de pontos de vista pessoais. A segunda é participar do grande baile que filmaremos provavelmente no mês de agosto. Este baile será um encontro entre coroas e mais jovens, bem no espírito do ABC Bailão, que é um dos eixos do filme. Para aqueles que quiserem participar, entrem em contato comigo pelo e-mail marcelo@paleotv.com.br.
Qual é o perfil das pessoas que você está buscando?
No início estabelecemos uma idade – acima dos 60 anos – para nossos entrevistados. Mas com o andar da pesquisa, isso foi relativizado. O mais importante é ter vontade de contar histórias e se dispor a redescobrir o Centro com a equipe de filmagem, passear pelos locais, ativar a memória.
Pode me falar um pouco das entrevistas? Como pretende selecionar os personagens e o que pretende focar?
O foco é nas experiências de vida e olhar sobre a cidade e a construção da homossexualidade na cidade. As entrevistas são bate-papos e variam de entrevistado para entrevistado.
Qual é o seu objetivo com esse documentário?
Meu objetivo com o projeto é lançar uma luz sobre um processo que é muito mais construído do que dado, natural. Quando se observa a visibilidade que os gays alcançaram hoje na sociedade brasileira, ainda que cheia de reveses, muitos gays mais jovens não percebem o quanto essa luta pelo reconhecimento foi dolorosa e também estimulante. E nós ainda temos muito pelo que lutar e nos posicionar. Neste sentido, recuperar a memória é dar continuidade a essa construção, a busca por reconhecimento.
O filme também pretende trazer um olhar bastante afetuoso sobre o Centro de São Paulo e a fluidez das identidades que lá habitam. Longe das perspectivas de "renovação" do Centro, o filme traz a vitalidade dos encontros que ocorrem atualmente no Centro, é um lugar vivo, extremamente rico, não um espaço moribundo esperando para ser salvo pelos políticos e urbanistas.
Quando poderemos ver o resultado desse seu trabalho?
O filme provavelmente vai ser exibido em festivais de cinema, cineclubes, programas de TV específicos do gênero, o bom e velho roteiro do curta.
Como você analisa o encontro de gerações entre homossexuais que vivem em São Paulo?
O amor inter-geracional é um tema que quero trabalhar no filme. Minha educação sentimental sempre passou pelo encontro de gerações. Sou apaixonado pela troca de experiências e sempre me achei um velho de 20 anos. Nunca acreditei nos psicologismos e nas lacanagens, no pai ausente, essas coisas. É a troca que sempre me fascinou. Um jovem que, como uma tábula rasa, tem sua vida preenchida pelas experiências de alguém mais velho, não é o amor que quero retratar neste filme. Meu olhar sobre os coroas é muito afetuoso, mas é também uma relação de troca em que ambos têm a acrescentar na vida um do outro.
Acho que São Paulo é privilegiada neste sentido, você tem diversos espaços de encontros entre pessoas de idades distintas. Você é mais velho, e vai num bar, onde tem mais novos que gostam de mais velhos, cinemões, boates, festas, saunas. O encontro é possível.