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Cinema & DVD: Jovem com o vírus da Aids vence o preconceito no emocionante “A Cura”

Derrubar as barreiras do preconceito e intensificar uma amizade são os pontos fortes deste drama: A Cura, dirigido por Peter Horton, e lançado nos cinemas em 1995, trata da relação entre dois jovens aparentemente diferentes, mas muito mais próximos um do outro do podiam imaginar. Com roteiro de Robert Kuhn, a produção conta com um interessante elenco coadjuvante, além da direção segura de Horton, mesmo que em alguns momentos o roteiro apresente pequenas falhas, mas que de tão pequenas, não chegam a atrapalhar a fluidez e a emoção da trama.

No filme, Erik (Brad Renfro) é um jovem rapaz solitário que não se integra com os colegas da escola e tem uma mãe irresponsável e negligente. Vive à frente da televisão jogando vídeo game. Seu pai, que vive um novo casamento, parece não se importar muito com o rapaz: apesar de não aparecer no filme em momento algum, é mencionado por Erik ou conversa com a sua mãe por telefone. Neste ínterim, Erik conhece seu vizinho, Dexter, jovem garoto acometido pelo vírus da Aids, durante um dia de sol enquanto brincava no jardim: após a hostil troca de palavras inicial, Erik e Dexter (Joseph Mazzello, o ótimo garotinho do primeiro Jurassic Park) iniciam uma amizade belíssima, bem ao nível dos ótimos Sempre Amigos e Conta Comigo (esse, ainda mais inesquecível, e com leve sugestão homoafetiva).

Se a pergunta do leitor até este trecho do artigo é o que esse filme tem a ver com a coluna Cultura gay e DVD, explico: há em boa parte do filme, cenas que ilustram o quão a sociedade preconceituosa vincula a Aids aos homossexuais, vide as repetidas vezes em que os colegas da escola os chamam de "faggots", termo pejorativo para nomear gays, alegando que o mesmo tem Aids e que a doença é um mal que pode contaminar pelo ar. Enquanto janta com a sua mãe, Erik, já amigo de Dexter, discute sobre a possibilidade de pegar o vírus da Aids do seu vizinho: a mesma, fria e distante em quase todas as cenas que aparece, aconselha ao filho manter distância quando o encontrar na rua e que não se preocupe, afinal, uma cerca os separa.

São várias as manifestações de preconceito: a mãe de Erik ainda alega, mais adiante na narrativa, que tome cuidado e proíbe a amizade dos garotos, gritando que a doença em questão não é sarampo nem catapora: é Aids e o contato poderia acabar com a saúde de ambos. Mais adiante, durante uma das aventuras dos jovens, são perseguidos por dois homens: Dexter, para se defender, corta a mão e aponta para o algoz, ameaçando toca-lo com o seu sangue venenoso. Após a brincadeira, o próprio Dexter chora e emociona o espectador ao sentir-se mal com a metabrincadeira realizada durante a tal aventura.

Com A Cura temos a pedagogia do cinema mais uma vez direcionada a discutir, mesmo sem tanta profundidade, esse estigma de aliar o vírus aos homossexuais.

O filme ganha muito por prezar pela inocência dos jovens a todo instante: desde a utópica saída da cidade em direção a Nova Orleans, para encontrar um médico que alega ter a cura para a Aids, até o momento que encontram uma Playboy e começam a folheá-la, curiosos com as esplendorosas garotas que surgiam nas páginas da revista.

Erik, ao aprofundar a amizade com Dexter, inicia também uma relação de afeto com a mãe do seu novo amigo. Numa simples, mas emocionante cena, Linda (a ótima Annabella Sciorra) beija-o na cabeça, numa intensa manifestação de carinho materno, deixando o garoto sem jeito e encantado, principalmente pelo fato de em casa não ter da mãe um sinal sequer de afeto.

Apesar de muito interessante, A Cura tem uma pequena falha: perde um pouco do ritmo por 15 minutos, lá por volta dos 58 minutos de duração: nada muito grave, mas preocupante, afinal, diante de uma trama com concisos 99 minutos, 15 minutos de equívocos poderiam prejudicar o filme. Além disso, o roteiro poderia explorar melhor o fato de todas as pessoas do bairro saberem que Dexter tem Aids: como e por quê?

A Cura pode ser interpretada não apenas como a incessante busca pelo remédio para a Aids, mas também a cura do preconceito carregado por Erik e algumas pessoas da sociedade em que convivem.

Vale ressaltar a excelente performance de Brad Renfro, ainda inexperiente, mas formidável: o ator foi mais um dos talentos perdidos da indústria cinematográfica de Hollywood, encontrado morto em sua casa em Los Angeles, por overdose de heróina. Suas atuações em filmes de peso como O Cliente, O Aprendiz e Sleepers – Vingança Adormecida foram ovacionadas pela crítica, além do papel de Huckleberry Finn na adaptação do clássico de Mark Twain.

A fotografia de Andrew Dintenfass e a música de Dave Grusin ajudam na edificação do drama vivido por Dexter, singelos, sem excessos, graças também a eficiente edição de Anthony Sherin. Com 99 minutos de duração, A Cura termina no momento certo e leva o espectador a refletir, mesmo que o tema hoje seja considerado um clichê, sobre o preconceito nosso de cada dia: abominamos e criticamos "coisas" sem ao menos saber com o que estamos lidando, enfrentando, falando.

"A Cura" – nota 9 – Disponível em DVD

*Leonardo Campos escreve quinzenalmente neste espaço sobre cinema e lançamentos em DVD. É pesquisador em cinema, literatura e cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de literatura.

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