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Cinema & DVD: Sexualidade e bullying no drama coreano Like a Virgin

Eis uma comédia que está muito além da suposta proposta inicial da sinopse e do seu trailer. Apesar de fisgar o espectador a partir da metade da história, tal ritmo letárgico que não ajuda muito, Like a virgin (2006) é um daqueles filmes que apresentam um argumento raso, mas que se revela profundo nas reflexões acerca da cultura gay. E o mais interessante é ver as problemáticas através da lógica da cultura oriental, sob outro olhar, diferente dos estereótipos construídos pela indústria hollywoodiana, que geralmente trazem versões redutoras da cultura alheia.

Antes de adentrar na análise do universo fílmico criado por Lee Hae-Young e Lee Hae-Jun, cabe ressaltar que Like a Virgin tem uma relação direta com um dos principais singles da cantora Madonna, ícone polêmico da música pop mundial. Na trama, o jovem Oh Dong-ku deseja ser uma mulher poderosa como a sua diva inspiradora. Ao tentar relacionar a problemática contemporânea da identidade, os realizadores acertaram ao escolher Madonna como tal inspiração, tamanho os estudos de identidade sobre a mesma, principalmente no âmbito da academia. Desde a década de 80 que Madonna vem revolucionando o mundo da música, da moda e da cultura na mídia em geral, levantando questionamentos e muito polêmica. Entre as palavras chave que definem o filme, temos troca de sexo, insatisfação com a identidade, temáticas debatidas durante os 120 minutos de projeção.

A trama: Oh Dong-ku (Ryu Deok-Hwan, cativante) é um jovem estudante insatisfeito com a sua condição masculina, devoto da cantora Madonna.  Oh Dong-ku mora com o pai, um alcoólatra em conflito consigo mesmo, e o irmão. Sua mãe (Sang-ah Lee, igualmente cativante) deixou a família há tempos, temendo ser vítima da violência oriunda da agressividade do pai, trabalhando como animadora num parque de diversões. Nos momentos de maior conflito do jovem Oh, é com a mãe que ele vai desabafar, sendo estas algumas das passagens mais interessantes do filme, tamanha a afetividade e cumplicidade de ambos.

Viver uma relação amorosa com outro homem não é o único desejo do rapaz, desejando algo muito mais complexo: a troca de sexo, e concomitantemente, de identidade. A questão não é tratada apenas no âmbito da relação sexual, talvez seja o último dos desejos de Oh. Ele quer mesmo é vestir-se como mulher, viver como uma, bailar nas boates ao som de Like a Virgin, vivendo intensamente  suas maiores fantasias. É a partir desta vontade que partimos para um novo ato da trama: a busca pelo dinheiro para realização da cirurgia de troca de sexo.

Inicialmente ele passa os dias carregando caixas num porto para conseguir o dinheiro, partindo logo depois para um campeonato de ssireum, uma arte marcial coreana. Apesar de rejeitado inicialmente, o garoto consegue dar a volta por cima, surpreendendo a todos e ganhado espaço necessário para realizar os seus desejos. 

A escolha de Madonna como objeto de devoção do rapaz parece não ter sido aleatória: ícone pop com quase 30 anos de carreira, a cantora forjou a identidade diversas vezes só na década de 80, vestindo personagens diferenciados em suas diversas turnês, causando furor por onde passava. Cabelos loiros, ruivos ou negros. Curtos, longos ou encaracolados. Advogada, masoquista e mãe.  São diversas personagens e trocas de identidade, aliadas a confusão entre a Madonna real e a ficcional. A sua lógica capitalista da troca de identidade reflete no filme, que mostra um jovem atrás do seu lugar na sociedade e sua inquietação ao ver seus desejos femininos, preso a um corpo masculino.

Na escola, o único amigo do rapaz é o jovem Jong-Man (Park Young-Seo), que compactua os desejos íntimos em relação ao professor. Há, inclusive, uma aproximação dos devaneios do rapaz com as alucinações em ritmo poético de Preciosa, personagem do filme homônimo Preciosa, de Lee Daniels, que trata de questões diferentes, mas que se encontram em alguns aspectos.  O bullying também está presente, através dos tormentos de alguns colegas da escola, que o perturbam o tempo inteiro, colocando a sua sexualidade em xeque.

A fotografia do filme agrada, assim como a relação de realidade imposta pelo som direto, buscando aproximar o espectador através de ruídos e sons do cotidiano da personagem principal. A sexualidade do rapaz em nenhum momento é estereotipada, e para os fãs de um bom videoclipe, há uma performance da canção pop dos anos 80, Like a Virgin, com direito a dançarinos e cenário especifico. Uma diversão com conteúdo. Apenas tenha paciência para ver, afinal, o já citado ritmo letárgico inicial pode entediar os acostumados à dieta do cinema hollywoodiano, com tramas e diálogos geralmente redondinhos.

*Leonardo Campos escreve quinzenalmente neste espaço sobre cinema e lançamentos em DVD. É pesquisador em cinema, literatura e cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de literatura.

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