Assédio é um daqueles dramas que nos mantém presos à poltrona até o final, com o surgimento dos créditos. No enredo, temos a clássica história do professor acusado de assédio sexual a um menor. Apesar de ser um tema comum tanto na ficção como na realidade – vide os telejornais diários – Assédio consegue tocar no assunto com delicadeza e classe, mesmo sem precisar de um elenco estrelado. Seguindo a cartilha dos telefilmes contemporâneos, a trama se apoia nas encenações e nos aspectos técnicos do roteiro, da fotografia e da iluminação para tornar a história angustiante uma digna obra de arte.
O filme abre seguindo a cartilha da narrativa tradicional: planos gerais na cidade e nas árvores do local, fazendo alusão ao título original do filme, The Green. Sr. Michael Gavin (Jason Butler Harner) é um dedicado professor que cuida dos seus alunos como se fossem filhos, principalmente Jason (Christopher Bert), um jovem promissor que sofre com os ataques de bullying diariamente. Preocupado com a condição de estudos do menino, que está prestes a perder a sua bolsa. Mais adiante, será acusado pela família de Jason, que alega abuso sexual por parte do professor.
Logo, as pessoas começam a fazer uma retrospectiva e recordar as cenas dos dois, professor e aluno, nos corredores da escola e interpretações e extrapolações começam a surgir: teria o professor abusado do seu aluno? E aquelas mãos no ombro? Os tapinhas de encorajamento nas costas? Pode ou não um professor ter contato além do verbal com os seus alunos? Estes não são os únicos problemas: Sr. Michael é homossexual assumido e mora com o seu companheiro Daniel (Cheyenne Jackson) há 15 anos. No bojo da sociedade preconceituosa e mantenedora dos abusivos estereótipos, este pode ser um item que contribuíra para a condenação do professor, que a esta altura da narrativa já fora afastado da escola, mudou de cidade e procurou uma boa advogada que defendesse o seu caso.
Outro problema é a perturbada Janete, a mãe do garoto. Há pouco tempo ela começara a relacionar-se com Leo, um homem que conhece há pouco tempo nas reuniões de AA. Logo percebemos que há algo de errado com este individuo, que se refere às pessoas com arrogância e é sempre enquadrado em primeiro plano, com seu olhar dissimulado. Um detalhe interessante é a construção deste personagem, proposital ou não, tamanha a semelhança com o assassino do filme Kalifórnia, interpretado dignamente por Brad Pitt em 1994. Perceberemos mais adiante se este personagem é, ou não, um catalisador do drama proposto pelo filme.
Na seara dos aspectos técnicos, Assédio é primoroso: as histórias que gravitam em torno do tema central, o abuso sexual e a condenação, são equilibradas, concatenadas com o contexto, não surgindo apenas como excessos. Além de sofrer com o drama da humilhação pública, Michael precisa lidar com o câncer em estado avançado da sua melhor amiga Trish (Illeana Douglas), com uma acusação de traição no passado, balançando o seu companheiro que o apoia em todos os momentos, o computador confiscado pela polícia, carregado por completo, perdendo o seu livro em estágio avançado de escrita. As encenações, como dito anteriormente, são um show a parte, além da excelente iluminação, fotografia e edição.
Ótimo para pensar a análise técnica do filme, Assédio flerta com a cor verde, assim como o seu título, The Green. A xícara de chá de cor verde, as roupas de alguns personagens, os planos gerais, enquadrando o verde natural das árvores e plantações da cidade. O verde nos dá a ideia de esperança. É a significação básica da cor nos principais manuais de simbologia e significações. Aplicada ao filme, percebemos que o personagem tem esperança de que toda a confusão surgida diante das acusações se resolva e ele possa ter uma vida normal.
Assédio é um daqueles filmes que reiteram a ideia de que para ser um bom entretenimento, não precisa necessariamente de efeitos especiais e cenas de ações mirabolantes. É um filme com altas doses de reflexão e que propõe a discussão sobre desejos, não os discutindo de maneira hipócrita, como muitas produções o fazem. O professor tem a parcela de "erros" no enredo, mas assume isso e confronta os seus atos "incorretos" do passado, mesmo que tardiamente.
Com 90 minutos de duração, Assédio é agradável e apresenta questões sobre amor, amizade, ética e respeito ao próximo. O filme não discute apenas preconceito e outros estereótipos sobre homossexuais. A trama também debate, mesmo que de forma ligeira, o casamento entre homossexuais. Mas para saber mais sobre isso, é preciso assistir você mesmo. Confira.
Nota 09
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*Leonardo Campos escreve quinzenalmente neste espaço sobre cinema e lançamentos em DVD. É pesquisador em cinema, literatura e cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de literatura.