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Cinema e DVD: Filme “Amores Possíveis” mostra a relação da mulher com o ex-marido gay

Não é só de favela e sertão que vive o Cinema da Retomada. As comédias românticas ganharam bastante força com o retorno das produções nacionais nos anos 90 no Brasil, após um período de obscurantismo durante a posse do midiático ex-presidente Fernando Collor de Mello, que quase zerou a produção cinematográfica nacional, esta, que ganharia forças apenas nos idos de 1994.

De forma descontraída, Amores Possíveis narra três histórias diferentes, todas protagonizadas com maestria pelo competente e atraente Murílio Benício. Com direção de Sandra Werneck, o filme surge após anos de consolidação da carreira como documentarista competente e a sua primeira ficção Pequeno Dicionário Amoroso, um sucesso de crítica e bilheteria protagonizado pelos excelentes Andrea Beltrão e Daniel Filho.

O primeiro ângulo a iluminar é o direcionamento da nossa abordagem aqui: das três histórias narradas, o nosso foco vai para o personagem gay, que após o casamento com uma mulher, abandona-a por um dos amigos do baba da semana. Pois é, tendo em mira este núcleo, inferimos logo inicialmente que o bom desenvolvimento narrativo desta personagem está na atuação do ator protagonista. Murilo Benício consegue dar bastante dignidade ao papel, de forma bastante carismática e agradável. A direção competente de Sandra Werneck também colabora. E claro, a parceria com a igualmente habilidosa Carolina Ferraz.

Amores Possíveis, nas palavras do roteirista Paulo Halm, é um filme que fala de possibilidades. O ponto de partida da narrativa é um desencontro. Carlos e Júlia marcam de ir ao cinema, mas ela não aparece. Desse desencontro são deslanchadas três possibilidades para o rumo de ambos.
Pai de Lucas, Carlos (Murilo Benício) é ex-marido de Julia (Carolina Ferraz). Após alguns anos de casamento, Carlos mantém um relacionamento sério com Pedro (Emilio Esteves).

Júlia, amarga com a separação e com o fato do marido dormir com outro homem, deseja as piores coisas para o relacionamento dos dois rapazes e ainda recomenda cuidado ao filho, orientando-o a manter distância do parceiro de Carlos. Logo de cara, somos apresentados a um dos estereótipos mais infames em relação aos homossexuais: perversão sexual e pedofilia. A homossexualidade vista como um desvio que corrompe o comportamento do individuo.

Há uma cena interessante em que a amiga de Júlia alega que todo este ódio é no fundo grande amor nutrido pela moça. Elas decidem sair para passear e desanuviar em um bar. Ao chegar, encontram Carlos e Pedro. Tentando uma reaproximação, Carlos e Júlia dançam juntos na pista de dança. A canção Me dê motivo, interpretada por Tim Maia surge e rege esta cena, provocando uma sensação estranha em Carlos.

Ainda estaria apaixonado por sua ex-mulher? Seria realmente homossexual? Entre dúvidas que o levam inclusive a beija-la e cultivar, mesmo que rapidamente voltando atrás, a esperança de um possível retorno ao casamento de antes, Carlos não abre mão do seu relacionamento com Pedro e ambos terminam o tempo fílmico. A direção, claro, tentou estampar a cena do reencontro e as situações de uma maneira que o desfecho não fosse tão óbvio e previsível.

Amores Possíveis não é um filme grandioso. Para o sucesso da narrativa, a diretora conta com o seu elenco, bem afinado. Sandra Werneck conta com a cumplicidade dos mesmos, em atuações contidas, ainda que emocionantes. Sendo assim, define-se como uma narrativa bastante simpática. A direção musical é de Joaquim Nabuco e a canção Dueto, interpretada por Zizi Possi e Chico Buarque, com arranjo do cuidadoso Luiz Claudio Ramos, é o tema central do filme.

Segundo Murilo Benício, o seu personagem gay é o mais maduro de todos. Na primeira história, temos um homem dividido entre a estabilidade de uma vida segura e o casamento morno e padronizado. É um personagem conformista. Na segunda, o homossexual Carlos colocou a paixão acima de tudo. Não é pelo fato do personagem ser gay que a história é mais interessante, mas a maneira como conduzido tanto pelo roteiro como pelo ator, tornaram-lhe mais coeso e coerente com a proposta do filme. Neste caso, é um personagem transgressor.

No terceiro, Carlos interpretado por Benício, há o descompromissado rapaz que vive na cola da mãe. O elo mais fraco do enredo, um rapaz que busca em desastrosas experiências a mulher ideal. Eis o personagem idealizado.

Murilo Benício: competente e atraente? Sim. Os adjetivos que acompanham o nome do ator são necessários para caracterizar a produção que ainda traz o excelente Walter Carvalho na direção de fotografia: competente pelo fato de transitar bem nos três papéis que desenvolve em pouco mais de 90 minutos de filme. Atraente pelo fato de ser bastante magnético em cena, fazendo-nos deliciar-se com a sua versatilidade presente não apenas na performance, mas em cada parte do seu corpo que surge num retirar de camisa ou no belo sorriso expressado pelo moço. A sua presença em cena é charmosa e espontânea.

A relação com o ex-marido gay no filme é apresentada de forma bastante bélica. Toda vez que se encontram, parece estar em estado de guerra. Na verdade, Carlos quase não reage aos ataques de Júlia, que numa cena, diz "rezar para que ele transe sem camisinha e pegue AIDS". Com 98 minutos de duração, Amores Possíveis tem roteiro assinado por Paulo Halm e uma linguagem técnica bem interessante. Para cada núcleo, os envolvidos no projeto criaram uma abordagem: enquadramento e direção de arte diferenciada, criando a sensação de singularidade para cada história. Um bom filme. Inofensivo e exercício de ficção que foge dos padrões.

"Amores Possíveis" – Disponível em DVD.

*Leonardo Campos escreve quinzenalmente neste espaço sobre cinema e lançamentos em DVD. É pesquisador em cinema, literatura e cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de literatura.

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