Madonna é múltipla: cantora, dançarina, atriz de cinema e teatro, empresária, escritora, compositora e mais recente, diretora cinematográfica. A popstar estrelou em 1999 esta comédia romântica ao lado de Ruppert Everett, "Sobrou pra Você", um filme delicado (mas um pouco arrastado) sobre um casal de amigos que ficam grávidos.
Ela, uma professora de ioga e ele, um empreiteiro homossexual. Dirigido por John Schlesinger, o filme narra de forma divertida a relação de um personagem gay e sua melhor amiga. Ruppert Everett já havia sido um gay no filme "O Casamento do Meu Melhor Amigo" e em "Sobrou pra Você", ganha o status de protagonista, tendo a sua história em primeiro plano.
"Sobrou pra Você" é narrado com apoio de muitos planos gerais. A linguagem não atrapalha o desenvolvimento da narrativa, assim como outros aspectos (fotografia, direção de arte, som), tudo caminhando de maneira simples e com eficácia.
Os coadjuvantes do filme colaboram com o exercício de tornar a história mais simpática. Entre os temas tocados, temos a relação conflituosa do pai de Robert, que considera a atitude do filho um provável motivo de piada para a família. A tensa situação de explicar para o filho o que é um homossexual, após o mesmo ser questionado pelos amigos sobre a sexualidade de seu pai. Mesmo que superficialmente, Sobrou pra Você toca em assuntos como a futilidade das festas e drogas na vida de uma pessoa, assim como a obsessão corporal. A história ainda trafega na confusão gerada na cabeça do pequeno Sam, o fruto de toda essa confusão e ainda coloca os protagonistas numa densa disputa em um tribunal.
As melhores tiradas do roteiro estão com o personagem Robert. Ele é simpático e agradável no primeiro ato, quando ainda não havia mantido relações com a amiga. Carinhoso e cuidadoso durante e após a gravidez. Já no terceiro ato, que aborda o relacionamento de ambos alguns anos após o nascimento do pequeno Sam, ele reflete um ar trágico e fragilizado, daqueles que parecem pedir colo e consolo a cada cena, reflexos de um bom ator, dando dignidade ao seu personagem.
No final do filme, percebemos que de acordo com o roteiro, engravidar do seu melhor amigo gay não é uma opção favorável. Será? Há opiniões diversas sobre o assunto, mas o filme apresenta um painel interessante na contemporaneidade: ambos querem um filho, mas muitas vezes, condicionam este filho ao padrão tradicional de família, onde o homem representa a figura central da casa, o pai, ao lado da mãe.
Abbie e Robert eram afinados, mas tinham interesses diferentes: ela queria casar, viver ao lado de um homem que a permitisse uma relação social e sexual saudáveis. Ele queria muito o filho, mas não podia atender aos pré-requisitos oriundos de um relacionamento deste tipo, já que a noite de sexo que aconteceu entre ambos foi resultado de muitas bebidas e dança ao estilo dos musicais clássicos hollywoodianos na casa em que Robert trabalha como caseiro. Por sinal, há uma interessante referência a "Cantando na Chuva" em um dos números de dança entre os amigos. Para os que acham que a narrativa seria bastante convencional, há uma reviravolta surpresa no filme.
"Sobrou pra Você" não mudou quase nada na carreira de Madonna. O filme fracassou no que tange à crítica e teve um tímido desempenho nas bilheterias. Não chega a ser um filme ruim, mas se mostra bastante indeciso em diversos momentos. A narrativa de longos 110 minutos poderia muito bem se enquadrar em 90 minutos, poupando o espectador do tempo alongado e desempenho mediano da polêmica protagonista, Madonna. Mas por outro lado, é um exercício deliciosamente agradável para os fãs da cantora, que mais uma vez, tentou se estabelecer como uma estrela do cinema.
Para os curiosos, há um videoclipe com uma breve cena de Madonna e Rupert Everett: American Pie, regravação da cantora para o clássico de Don McLean, também cantada numa cena logo no início do filme e nos créditos finais.
"Sobre Pra Você" – nota 8 – Disponível em DVD
*Leonardo Campos escreve quinzenalmente neste espaço sobre cinema e lançamentos em DVD. É pesquisador em cinema, literatura e cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de literatura.
