Pela primeira vez na história, policiais e militantes GLBTs estão reunidos para discutir ações conjuntas de combate à discriminação e à homofobia. No Othon Palace de Copacabana, Rio de Janeiro, acontece até amanhã, dia 13 de abril, o I Seminário Nacional de Segurança Pública e Combate à Homofobia, organizado pelo Grupo Arco-Íris, com o apoio de Ongs e instituições governamentais. O site A Capa conversou com o militante Cláudio Nascimento, especialista em segurança pública e uns dos principais organizadores do evento: A CAPA – A relação entre GLBTs e policiais sempre foi tensa. Podemos esperar mudanças com o evento? Sim, com certeza. A troca de experiências faz com que ambos os lados se olhem. Podemos conhecer experiências bem sucedidas tanto das polícias quanto dos militantes. Só isso, o contato desses dois universos, já responde à pergunta. Mas vamos mais além. Com os grupos de trabalho do seminário, daremos um salto interessante em cinco eixos fundamentais: formação policial; prevenção à violência contra GLBTs; atendimento, investigação e registro da violência homofóbica; violências específicas e diferenciadas de prevenção e segurança; monitoramento, avaliação e controle social das políticas de segurança para GLBTs. Sairemos com nossas duas missões principais cumpridas: troca de experiência e idéias para o plano de segurança pública. A CAPA – Em outras palavras, podemos esperar ações mais duradouras que os debates. Exatamente. Vamos trabalhar na elaboração do Plano Nacional de Segurança, cujas diretrizes são traçadas aqui. Vamos também estimular a criação de seminários sobre segurança pública nos estados, com prioridade, no momento, para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Queremos que todas as ações propostas tenham seus resultados medidos e monitorados. Daqui a dois anos, realizaremos outro seminário para ver o que avançou e para trabalhar, também, a aproximação entre as áreas de segurança pública e justiça, que estão intimamente ligadas. É preciso trabalhar para romper o ciclo de impunidade que vai desde falhas no acolhimento das delegacias até a demora para os casos de homofobia serem julgados. Veja o caso do Renildo dos Santos, que está tramitando há 14 anos [Nota da Redação: O vereador alagoano Renildo dos Santos foi morto em 1993, depois de assumir publicamente sua bissexualidade. O caso ainda não foi julgado]. A CAPA – No momento em que estamos aqui reunidos, discute-se o envio das Forças Armadas para patrulhar as ruas do Rio. Esse tema não entrou na pauta do encontro. A violência urbana e a homofobia são questões que não se tocam? Olha, isso é uma casca de banana que vamos ter de pisar: a aproximação de segmentos diferentes da segurança pública. Mas há também um vácuo de outros setores que estão conectados à área de segurança pública. Pessoalmente, eu sou contra a entrada das tropas nas ruas porque o Exército é treinado como força de guerra e vê as pessoas não como cidadãos, e sim como inimigos, mas isso precisa ser discutido melhor. Além disso, temos de pensar em soluções conjuntas, incluindo investimentos na área social. Aqui no Rio, em Ipanema, temos ruas sem asfalto próximas à loja da [joalheria] H. Stern. Vivemos uma sociedade partida, mas precisamos entrar nessa porque gays e lésbicas estão em todas as partes. A CAPA – Na fala de Luis Mott realizada no seminário [em mesa-redonda sobre discriminação e violência], foram apresentadas causas da violência que parecem indicar que os homossexuais, em alguns casos, facilitam as agressões. Há quem diga, também, que gays que gostam de ser humilhados abrem brecha para os agressores. Em termos de políticas de segurança pública, como é possível intervir nesses casos? Em primeiro lugar, é preciso lembrar que estatisticamente esses casos não representam a magnitude do universo da violência contra GLBTs. Os crimes, na maioria dos casos, são praticados por desconhecidos nas ruas, por gente que acha alguém que parece gay e, só por isso, começa a agredir. Agora, quando você pergunta sobre gays que facilitam as agressões, precisamos distinguir o que se passa no campo da fantasia, onde eu acredito que vale tudo desde que todas as partes estejam de acordo, e o que gera violência real. Também temos de tomar cuidado contra outros preconceitos. Por exemplo, tem gente que acha que usar roupas vistosas facilita a violência. A homofobia é um tipo de violência sistêmica, fundada em um preconceito estruturante. Ficar arrumando desculpas que a justifiquem ou culpar os homossexuais foge da solução do problema. Analisando os dados, vemos que a maioria dos casos não está ligada à prática de submissão e, sim, à dificuldade de se lidar com a diferença. A CAPA – Há mais de um ano, o casal de namorados Hyldo e Marílio foi agredido em Ipanema e o Grupo Arco-Íris teve um papel fundamental na denúncia e no acompanhamento das vítimas. Como está o caso hoje? As fotos dos cinco agressores foram amplamente divulgadas. Por conta disso, recebemos várias ligações. Uma delas era de uma senhora, que identificou um deles. A partir disso, todos foram localizados e, agora, aguardamos julgamento. Já foram feitas tentativas de reconciliação, mas não aceitamos que a punição fosse simplesmente distribuir cestas básicas. Quantos aos policiais envolvidos, a princípio a Polícia Militar pensou em expulsá-los da corporação, mas conversamos e achamos melhor que eles passassem por capacitação específica e se tornassem, eles mesmos, palestrantes contra a homofobia e o preconceito, falando inclusive sobre suas experiências particulares, fazendo com que outros policiais reconheçam que todos são iguais em direito. A CAPA – Ou seja, vocês utilizaram o caso de forma positiva, provocando uma mudança no interior da corporação militar. Exatamente. Veja bem, o combate à homofobia é uma demanda também para os profissionais da segurança pública. Não por acaso, 50% dos policiais presentes no seminário são diretores de Academia de Polícia. Temos também 15 técnicos da Federação Nacional de Segurança Pública. A CAPA – Por falar nisso, quantas pessoas estão participando do seminário? 310 pessoas, contemplando policiais de 26 estados brasileiros, militantes brasileiros de todo o Brasil, 50 centros de referência, além de universidades, profissionais de saúde, educação, cultura e outros. *Ferdinando Martins viajou a convite do Grupo Arco-Íris. Ele é jornalista e colaborador do site A Capa
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