Em uma pequena cidade do interior de São Paulo havia uma menina de 10 anos chamada Maria Clara. Ela era a filha caçula de uma família constituída por pai materialista, mãe religiosa e três irmãos. A mãe a levava todas as semanas ao culto da igreja perto de casa e o pastor sempre dizia que ela era a preciosidade de Deus, o orgulho de sua mãe. Brincava com as bonecas que ganhava, mas também se divertia muito jogando bola com os irmãos. A vida simples era uma festa.
Aos 13 anos conheceu Beatriz, a primeira namorada de um de seus irmãos. Beatriz tinha 16 anos, era alta, morena, tinha os olhos castanhos mais brilhantes que Maria já tinha visto. Era muito comunicativa e fez amizade muito fácil com Maria.
Com a adolescência chegando, Maria tinha em Beatriz um mundo todo novo, uma admiração que ía além a de um modelo a ser seguido. Não, ela não queria ser como a cunhada. Maria queria estar no lugar de seu irmão!
Aquela idéia a atormendava. Passaram-se mais dois anos e aquele sentimento insistia em visitá-la todos os dias… Invejava seu irmão, com todas as forças que uma menina de 15 anos poderia ter. Invejava o orgulho que sua mãe depositava naquele namoro tão certinho, que só poderia resultar em casamento e filhos tão bonitos quanto Beatriz.
Achava que um dia esse desejo proibido iria passar, e tentava inventar defeitos nela, só para não desejá-la daquele jeito. E se o pastor souber? Com certeza ele contaria a Deus e o castigo seria horrível. E assim passou a orar todas as noites com muito mais intensidade, para tirar essa mulher de seus pensamentos.
Maria passou a evitar a amizade de Beatriz. Todas as vezes que a namorada de seu irmão aparecia em casa, ela dava um jeito de sair, inventava compromissos com outras amigas. O tempo passou e Beatriz, que nunca soube desse sentimento, acabou casando-se com o irmão de Maria, sem entender o que havia acontecido para justificar a distância entre elas.
Aos 25 anos, Maria Clara foi apresentada para Laércio, filho de amigos de seus pais. Ele não era nem muito alto, nem baixo, nem magro e nem gordo, nem moreno e nem loiro, nem feio e nem bonito. Era algo tão neutro, que Maria acabou suportando-o por muitos anos, namorando, casando, tendo dois filhos e envelhecendo ao lado dele. Laércio era um sujeito caladão, que fazia o básico, cumprindo o papel social que a família da esposa desejava.
Sua mãe estava feliz com o rumo que seus filhos tomaram. Seu pai também. Estavam todos se virando bem, sem passar fome, sem altos e baixos. Só Maria não estava feliz com aquele teatro todo. Deus não ouvira suas preces e Beatriz continuou atormentando seus pensamentos. Outras mulheres também passaram a fazer parte de suas fantasias mais secretas, mas ao acordar era Laércio que estava ao seu lado, reclamando do jeito seco e indiferente da esposa.
Dedicou toda a sua vida aos filhos, que cresceram sem amadurecer, exigindo cada dia mais dinheiro e atenção dos pais. Maria chorava todas as noites, achando que nem seus filhos a amavam de verdade. Esperava deles maior compreensão, maior gratidão por tudo o que ela sacrificou na vida por eles.
Guardou tamanha mágoa de Deus e de todo o mundo, que desenvolveu um câncer que lhe tirou a vida aos 72 anos de idade. Fora do corpo físico, Maria reencontrou um dos amigos de outras vidas, que lhe recebeu de braços abertos, com muito carinho. Sorrindo, ele disse que a acompanhou em todas as etapas como um mentor, que tentou mostrar caminhos através de sonhos, mas que foi tudo em vão, pois Maria estava muito fechada para qualquer tipo de mudança. Ela tinha optado por viver o desejo de outras pessoas. Disse que ouviu todas as preces dela, mas que nada podia fazer, pois ninguém tem o poder e o direito de tirar um sentimento tão forte e bonito de dentro do coração dos outros.
-O QUEEE? – ela gritou horrorizada…
-Você está me dizendo que eu deveria ter sido SAPATÃO???
-Minha amiga, você deveria ter seguido o seu coração, independente do que iriam te chamar… Sabe como é, na Terra os sentidos e a sensibilidade da grande maioria ficam tão atrofiados… – respondeu seu mentor. Ao despedir-se de seu amigo-amparador, Maria Clara, sem compreender muito bem o que deveria fazer e o que seu amigo queria dizer, prometeu que da próxima vez seria feliz de verdade, custe o que custar. Porém, fez um último pedido … – Espero que da próxima vez eu consiga amar e desejar os homens… Assim serei muito feliz! – e foi embora.
O tempo passou e Maria Clara foi chamada para reencarnar na Terra.
Em pleno verão, nasce o pequeno Gabriel. Um lindo menino, que veio cumprir aquilo que tinha prometido ao amigo no astral: amar e desejar os homens, e ser feliz assim, custe o que custar…