Professores revelam a trajetória da colecionadora cega e pioneira na valorização de escritoras femininas do século XVIII
Marguerite Hicks foi muito mais que uma colecionadora de livros; ela foi uma visionária que, durante as décadas de 1930 e 40, reuniu a primeira coleção americana significativa de obras britânicas do século XVIII escritas por e sobre mulheres. Essa coleção, adquirida pela Oakland University, em Detroit, Estados Unidos, em 1971, é um tesouro de mais de 900 volumes raros, muitos deles únicos, que revelam um olhar pioneiro para a literatura feminina e queer da época.
Nascida em 1891 em Dearborn, Michigan, Marguerite rompeu barreiras ao retomar os estudos aos 44 anos, graduando-se em inglês e obtendo seu mestrado focado em escritoras do período modernista. Viúva, ela viveu uma parceria amorosa e profissional de 40 anos com Thelma James, professora e folclorista da Wayne State University. Juntas, elas formaram uma família queer no meio de Detroit, inseridas em círculos sociais e organizações comunitárias, enquanto Marguerite enfrentava a perda gradual da visão.
Marguerite Hicks: uma vida de resistência e paixão pela cultura
Mesmo com a cegueira avançando, Marguerite continuou a ampliar sua coleção com o apoio de Thelma, incorporando não só romances e poesias, mas também folhetos educacionais, livros de conduta e textos políticos, incluindo obras sobre mulheres queer do período. Essa diversidade e abrangência são o que torna sua coleção tão única e valiosa para pesquisadores e estudantes até hoje.
Os professores Megan Peiser e Emily Spunaugle, co-diretoras do Marguerite Hicks Project, estão mergulhando na vida dessa colecionadora extraordinária para contar sua história. Elas destacam como Marguerite, com orçamento limitado e em uma época em que a academia desprezava autoras mulheres, desafiou normas e destacou vozes silenciadas.
Uma coleção feita de “cópias de trabalho” e resistência
O termo “cheap working copies” (cópias de trabalho baratas) usado por Hicks para negociar com livreiros londrinos revela seu método: ela preferia livros acessíveis, não necessariamente luxuosos, que mostrassem como as pessoas comuns interagiam com a literatura. Muitas dessas obras carregam anotações e rabiscos de leitores antigos, oferecendo um olhar real e íntimo sobre o passado.
Essa abordagem dá uma dimensão revolucionária à coleção queer de Marguerite Hicks: ela não colecionava para exibir, mas para preservar a experiência cultural e social feminina e queer, uma luta silenciosa e potente contra o apagamento. Entre as raridades está o único exemplar conhecido do poema “Mary the Osier-Peeler”, de Mary Morgan, entre outras autoras como Frances Burney e Mary Wollstonecraft, ícone do feminismo.
Legado que ultrapassa gerações
Apesar do valor dessas obras só ter sido reconhecido décadas depois, quando alguns foram alvo de furtos, a coleção permanece viva e em uso na Oakland University, inspirando pesquisas interdisciplinares e aulas que conectam passado e presente. Marguerite deixou claro seu desejo: seus livros deveriam ser ferramentas de aprendizado, não objetos de ostentação.
Além disso, a história queer da própria Marguerite e Thelma, que viveram juntas e participaram ativamente de várias organizações femininas e culturais de Detroit, revela a importância de contar narrativas LGBTQIA+ historicamente invisibilizadas. A pesquisa das professoras Peiser e Spunaugle é um convite para reconhecer e celebrar essas vidas e legados que moldam nossa compreensão da cultura e da resistência queer.
Essa coleção, que une literatura, história, feminismo e identidade queer, é um marco para Detroit, Estados Unidos, e um exemplo inspirador para a comunidade LGBTQIA+ global. Marguerite Hicks, com sua coragem e paixão, é uma verdadeira heroína que continua a influenciar gerações.
