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Beeshas do Brasil: Cazuza, herói e ícone de gerações brasileiras

Nesta data de 7 de julho de 2011, completam-se 21 anos da morte de Cazuza. Portanto, torna-se inevitável abordá-lo na coluna "Beeshas do Brasil", publicada quinzenalmente às quintas-feiras no site A Capa.

Praticamente tudo já se disse e escreveu sobre Cazuza, mas ainda assim continua importante manter viva sua memória a cada oportunidade. E ainda que ele sempre tenha sido definido como bissexual, ele teve, antes de mais nada, uma atitude e uma postura gay, no sentido amplo da palavra – daí sua inclusão em nosso arquivo de "Beeshas do Brasil".

Nascido no Rio de Janeiro em 4 de abril de 1958, Cazuza foi um rebelde desde criança. Filho único de Lucinha Araújo e João Araújo – executivo da gravadora Som Livre -, o menino cresceu tentando transgredir regras e limitações e transformou-se num adulto perdido, sem um rumo profissional definido.

Até que em 1981, enquanto fazia o curso de teatro do Circo Voador, no Arpoador, Cazuza foi indicado por Léo Jayme para ser vocalista de uma banda de rock iniciante: o Barão Vermelho. A empatia entre Cazuza e os quatro músicos foi imediata. Roberto Frejat, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros formaram com o cantor um time explosivo.

O primeiro disco veio em 1982, na Som Livre, depois de certa resistência do pai de Cazuza, que temia ser acusado de nepotismo. O LP não fez sucesso, apesar da qualidade musical e da espontaneidade das letras de Cazuza. Já surgia ali seu estilo visceral e desbocado, em faixas originais como "Down em Mim" e "Posando de Star".

O segundo disco, de 1983, ia pelo mesmo caminho, até que Ney Matogrosso – com quem Cazuza havia tido um rápido caso em 1980 – resolveu regravar a faixa "Pro Dia Nascer Feliz", que estava neste segundo LP. A música estourou com Ney, e as rádios passaram a tocar também a versão original do grupo. Nascia esse que até hoje é um dos maiores hits do Barão.

Em 1984, o terceiro disco trouxe o grupo já consagrado e embalado por hits nacionais como "Bete Balanço" e "Maior Abandonado". O sucesso era imenso, mas Cazuza começava a ter crises com a banda. Disposto a seguir seu próprio caminho musical, não tão ligado ao rock como o Barão queria, Cazuza deixou a banda em 1985.

Começava sua carreira solo, com o disco "Exagerado" em 1986. Sozinho, ele pode dar vazão às suas outras paixões musicais: a chamada "música de fossa", de artistas como Maysa, Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues. Misturando rock, samba-canção e bossa nova, Cazuza criou sua sonoridade particular. Vieram mais dois discos, até que o astro virou assunto por uma razão não musical: em fevereiro de 1989, ele assumiu ser soropositivo.

Em meio à luta pela vida, Cazuza ainda lançou mais dois discos – um deles ao vivo -, e acabou sumindo de cena na manhã daquele sábado 7 de julho, no Rio. O Brasil inteiro sentiu a morte de Cazuza, e naquela noite o show da banda Legião Urbana na carioca Praça da Apoteose reuniu Frejat e amigos na plateia, com homenagens emocionadas dedicadas a Cazuza pelo vocalista da Legião, Renato Russo – que, ironicamente, também seria vítima do HIV apenas seis anos depois.

Cazuza marcou sua passagem no rock, no pop e na MPB, seja em seu trabalho no Barão – com letras boêmias e rebeldes, focalizando o mundo da noite, dos bares, dos porres e das relações fugazes -, seja como artista solo – onde amadureceu e se aprofundou na análise do amor, além de se revelar um surpreendente e certeiro crítico da política brasileira.

Na primeira fase, com o Barão, pérolas incríveis como "Posando de Star", "Down em Mim", "Conto de Fadas", "Narciso", "Dolorosa", "Nós", "Vem Comigo" e "Carente Profissional", entre muitas outras, foram produzidas. Na fase solo, Cazuza entregou canções-símbolo que até hoje são entoadas em karaokês e regravadas por outros artistas, como "Exagerado", "Codinome Beija-Flor", "O Nosso Amor a Gente Inventa", "Faz Parte do Meu Show", "Ideologia", "O Tempo Não Pára" e "Brasil".

Na vida pessoal, claro, Cazuza também fez questão de ser ousado. Já em 1984 declarava à revista "Playboy" que era bissexual. Apesar de tal imagem, o músico costuma ser mais associado à questão gay do que a romances com mulheres. Seu caso com Ney Matogrosso, bem como outras situações, são relatadas no livro "Só as Mães São Felizes", lançado pela própria mãe de Cazuza, Lucinha Araújo, em 1997.

Além da sexualidade, ele também botava a boca no mundo em entrevistas ao comentar sobre drogas, política, religião e o que mais viesse pela frente – inclusive, como se sabe, a questão do HIV. Cazuza foi um pioneiro corajoso ao se expor, numa época em que Aids era tabu, considerada ainda "uma peste gay", e quando um teste positivo significava uma condenação rápida à morte.

Infelizmente Cazuza não pode esperar os avanços no tratamento contra a síndrome e partiu cedo demais, como outros colegas ilustres: Elis Regina, Raul Seixas, Renato Russo, Cássia Eller, Chico Science…

Talvez isso tenha ajudado a reforçar o mito em torno do cantor. O fato é que, como diria uma letra do Barão Vermelho, "O Poeta Está Vivo". Cazuza segue fortalecido, tendo suas músicas escutadas, regravadas, seus clipes e entrevistas esmiuçados no YouTube, sua figura idolatrada, suas biografias devoradas, seu nome citado e abençoado. Lucinha acertou ao fundar uma ONG que cuida de crianças soropositivas e foi profética ao batizar a sociedade com a expressão: "Viva Cazuza!"

Fotos: Acervo Cazuza

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Mas, afinal, o que eu sou?