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Como é ser mãe de uma lésbica?

Quando descobri que eu era mãe de uma lésbica, todas as minhas faculdades foram testadas, testadas e novamente testadas. Diante das atitudes e pensamentos inadequados de alguns que são frutos da mais profunda ignorância a respeito de determinados assuntos, percebi que teria que ser muito mais competente como mãe, pois não poderia medir esforços para derrubar barreiras, vencer os obstáculos, quebrar paradigmas, não só das pessoas, mas os meus próprios. O mundo está cheio de justiceiros que pré julgam e dão a sentença, portanto, ela precisava de mim e a partir daquele momento o meu amor deveria estar no centro de todas as minhas ações.

No inicio foi difícil, eu percebia as reações das pessoas e me enfurecia com comentários desagradáveis, cheio de veneno e preconceito, mas à medida que aquela nova realidade foi amadurecendo, compreendi que elas não tinham a obrigação de achar natural e com isso eu fui ficando cada vez mais tranqüila.

Ser mãe, independente de qualquer coisa, já é sublime. Há dez mil anos antes de Cristo, no tempo das grandes deusas, as mulheres eram vistas como divindades por terem o poder de nutrir a vida e os homens tinham medo desse poder, pois acreditavam que era mágico, porque não associavam com o sexo.

Hoje, me sinto uma divindade quando vejo que cultivei no meu ventre um verdadeiro talento, um tesouro, um ser absoluto, uma pessoa especial, bem singular: minha filha Nina Lopes, por quem eu tenho um enorme respeito.

Respeito pelo grande ser humano que ela é, uma sumidade em cultura, inteligência e criatividade, pelo seu discernimento, responsabilidade ética, a sua sabedoria, a sua simplicidade, humildade e pela grande profissional. Quem conhece a Nina de perto sabe da sua alma nobre, que se despe diante de alguém necessitando de ajuda.

Quando a Nina era criança, já dava sinais de que eu não precisaria pastorar uma prole, apenas orientar na sua evolução espiritual, na sua trajetória comportamental e como cidadã. Posso dizer que acertei em cheio como educadora. Eu a ensinei a amar, independente de qualquer diferença de raça, de cor, de bens materiais ou qualquer outra coisa que pudesse ser incompatível.

O amor que eu tenho por ela é genuíno, de uma grandeza sem tamanho. Eu ainda choro quando ela sofre e sorrio quando ela sorri, vibro com suas conquistas e me entristeço com suas derrotas. Como eu poderia deixar de amar a minha filha depois que descobri a sua opção sexual se ela continuava a ser a minha pequena que nunca deixei crescer, embora não são raras as vezes que trocamos os papeis e ela passa a ser minha mãe, em virtude de um relacionamento aberto e sincero?

Sempre que ouço essa pergunta: “Como é ser mãe de uma lésbica?”

A impressão que fica é que há pais que “coisificam” os filhos e amam de acordo com o que eles podem oferecer. Se o filho for homossexual fica mais latente para muitos, que a mãe gerou um E.T e que o relacionamento tem que ser diferente. Ser mãe não é negar um filho diante das vicissitudes, porque o amor de mãe é um patrimônio inalienável.

Então os filhos só valem se for à sua imagem e perfeição? Só valem se corresponderem aos objetivos e as expectativas dos pais?

Esses, com certeza, jamais saberão compreender a singeleza do amor de uma mãe, sem interesse, cheio abnegação, que se doa a qualquer momento e está sempre vigilante, atenta aos tropeços e às dificuldades da vida de um filho, sendo ele bom ou com os piores defeitos. Ela está sempre presente, dando-lhe força, coragem e ajudando a sair de suas dificuldades contraídas pela falta de experiência.

No cadinho da nossa existência, ensinamos e aprendemos com os nossos filhos. A vida é transitória e nós apenas fazemos parte dela por um tempo determinado. Sendo assim, temos que viver numa unidade com a nossa família e não termos vergonha de dizer “eu te amo” pois o amor é solvente alquímico mais poderoso do universo.


O outro lado
Por Nina Lopes

Quando minha mãe descobriu, foi como se um buraco abrisse sob meus pés. Perdi o rumo, o chão, o norte. Aquilo era tão novo para mim quanto para ela. Há 20 anos não se falava em homossexualidade, aliás, os pais raramente falavam em sexo com seus filhos, que dirá sobre algo tão “tenebroso”.

Eu sabia que era diferente, mas não sabia exatamente o que se passava comigo. Lembro-me que fui até a casa de uma amiga e fiquei lá horas, aos prantos, sem conseguir dizer uma palavra. Ela perguntava: “o que aconteceu? Fala comigo!” e eu dizia: “isso eu não posso te falar, você não vai querer mais ser minha amiga.” E foi essa visão que me acompanhou por muito tempo: a de que as pessoas não me amariam mais se soubessem de mim.

Minha mãe e minha família me fizeram ver que minhas qualidades e defeitos eram independentes da minha sexualidade. Que minha escolha não me fazia melhor nem pior que ninguém. Que eu era capaz e que poderia conquistar uma vida digna e íntegra como qualquer pessoa tida como “normal” pela sociedade.

Um dia minha mãe disse: “bom, quero conhecer onde você freqüenta, quem são seus amigos, o meio que você convive.” E lá fomos nós para a boate Tunnel do Tempo, para que eu pudesse apresentar minha mãe à noite gay. Foi uma noite divertidíssima, uma oportunidade única de mostrar que ser homossexual não é ser de outro planeta. Meus amigos ficavam pasmos quando eu dizia: “fulano, essa é minha mãe” e todos a adoraram, como não podia deixar de ser, pois ela é uma das pessoas mais simpáticas e agradáveis que conheço.

Nas reuniões de família, nos almoços de domingo, nas datas comemorativas, sempre que estou em um relacionamento, minhas namoradas são recebidas de braços abertos por todos. Muitas continuam amigas da minha mãe, mesmo depois que terminamos.

Não há palavras que descrevam a importância de ter o apoio de quem nos ama, o colo da nossa mãe quando terminamos um relacionamento e podemos dizer: “mãe, terminei com a minha namorada” ou a alegria de poder compartilhar com a família o amor que sentimos por alguém.

Agradeço sempre por ter sido abençoada ao nascer em meio a pessoas tão especiais, que souberam fazer de um obstáculo, uma oportunidade de aprender e crescer como seres humanos.

Ser aceita pela minha família, pelos amigos, no ambiente de trabalho, contribuiu de maneira significativa para a construção da minha personalidade e auto-estima.

Devo ao amor de todas essas pessoas minha trajetória positiva como ser humano e profissional.

Berlim, capital gay

L.E.B. Halloween