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Conferência Nacional GLBT: o que queremos?

Entre 6 e 8 de junho, Brasília recebe 600 delegadas/os, 100 convidados/as e cerca de 300 observadoras/es   que,  vindas/os  de todo o país, irão discutir e aprovar diretrizes para o Plano Nacional de Políticas para os GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais). Evento inédito no Brasil (e no mundo), a Conferência Nacional  acontece depois de realizadas etapas em todos os  27 
Estados e em dezenas de municípios e regiões por todo o país. A Conferência também discutirá uma agenda legislativa, indicando projetos de lei prioritários para esta população, assim como cobrará do Judiciário e do Ministério Público compromissos concretos para efetivar a igualdade entre todas as pessoas.

A  Conferência Nacional GLBT foi convocada em 28 de novembro de 2007 por meio de decreto presidencial assinado pelo presidente Lula e pela Ministra Dilma Roussef (a Conferência é compromisso de campanha do então candidato a reeleição, que chegou a lançar um caderno específico intitulado Construindo um Brasil sem Homofobia) e tem como tema central:  Direitos Humanos e Políticas  Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.

Apesar da importante iniciativa do governo federal, todo o processo de mobilização e de construção das Conferências nos Estados, regiões e municípios tem sido protagonizado pelo movimento social (destaque  para a ABGLT), que correu atrás, priorizou, pressionou e realizou a interlocução com o poder público, Brasil afora, fazendo  história com suas próprias mãos. Embora com níveis muito diferentes de comprometimento e apoio por parte de  cada governo, o fato é que as etapas estaduais estão acontecendo desde o início de abril (precedidas, em muitos lugares, por pré-conferências que começaram  já em março) e até meados de maio todos os Estados e o Distrito Federal terão concluído o processo e escolhido as delegadas/os que irão à Brasília.

O texto-base da Conferência Nacional (que orienta as discussões) é longo, bastante complexo e traça diretrizes muito relevantes para políticas públicas de promoção de nossa cidadania no médio prazo.  Contudo, muitos setores do movimento social ainda vêem com ceticismo (muitas vezes justificado) não só esse, mas todos  processos de Conferência (inclusive as de mulheres, das cidades, da igualdade racial, etc), cobrando  resultados concretos e imediatos. E muita gente (do movimento e apoiadores) tem se perguntado: afinal, o que esperar da  Conferência? O que queremos com todo esse processo?

Reconhecimento social:  direitos civis e políticas públicas
A primeira coisa é constatar que a convocação da Conferência GLBT, em si, já é uma vitória política porque dá visibilidade para nossa luta por cidadania e marca o reconhecimento por parte do Estado brasileiro de nossa existência enquanto população historicamente discriminada, que necessita de políticas de ação afirmativa. A segunda coisa é constatar que o fato de o governo federal induzir os Estados a discutir este tema, colocou a cidadania GLBT na agenda do poder público e está obrigando setores que nunca discutiram o tema a se envolver, a pautar o debate, a realizar Conferências, a dialogar com nossos ativistas.

Para além da visibilidade e da colocação da agenda dos direitos GLBT na pauta nacional, a Conferência GLBT deve cumprir alguns outros papéis fundamentais. As expectativas são grandes e as lacunas também.  Abaixo, elencamos os principais desafios em pauta.

1) Direitos civis e agenda legislativa: este é o primeiro e principal desafio.  Pouco adianta o governo federal e os governos estaduais  iniciarem a implementação de programas de combate à homofobia,  se a legislação infraconstitucional brasileira não reconhece os direitos civis dos homossexuais, travestis e transexuais. A Conferência deve se tornar um grande ato civil que pressione e, inclusive, constranja o Congresso Nacional a sair da inércia (e fazer o que diversos de países têm feito): aprovar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a criminalização da homofobia e os projetos que reconhecem a cidadania das travestis e transexuais. Sem isso, pouco avançaremos, pois sempre iremos nos deparar com  interpretações conservadoras da Constituição e com a ausência  de instrumentos legais que assegurem a igualdade e punam condutas discriminatórias. Acorda, Congresso!

2) Tornar as políticas afirmativas políticas de Estado: historicamente, o Estado brasileiro é sexista, racista e homofóbico.  Muito recentemente as políticas afirmativas entraram na agenda política nacional. No caso dos gays, lésbicas, bissexuais,  travestis e transexuais, ainda estamos engatinhando. Contam-se nos dedos municípios e Estados que têm programas e estruturas que tratam desta temática.  Em nível federal, o programa Brasil sem Homofobia tem pouquíssimos recursos e pouquíssimas pessoas trabalhando nele. Portanto, a Conferência deve indicar essa tarefa imediata:  é urgente que os três níveis da federação tenham políticas permanentes de combate à homofobia e promoção da cidadania GLBT.  Mais, ainda: é  fundamental que todos os Estados e municípios tenham programas específicos e estruturas governamentais permanentes para promover a cidadania desta população.

3) Um Plano Nacional, uma Subsecretaria, um Conselho:  embora seja tangível  o avanço do governo federal, o fato concreto é que temos muito pouco, quase nada. O programa Brasil sem Homofobia é uma sala (sem plaquinha), com meia dúzia de servidores na Secretaria Especial de Direitos Humanos e alguns poucos núcleos de pessoas bem intencionadas em outros ministérios (principalmente no Ministério da Saúde). A maioria dos recursos são os conseguidos por meio da ação da ABGLT no Congresso Nacional, que cava emendas parlamentares para destinar ao Programa. Portanto, a Conferência deve apontar coisas muito concretas, para, de fato, envolver todo o Governo e concretizar mecanismos de controle social e de gerência efetiva das políticas. Neste sentido, três coisas são urgentes: a) a formulação e execução do Plano Nacional de Políticas de Promoção da Cidadania GLBT, a partir das diretrizes aprovadas na Conferência; b) a criação de uma Subsecretaria GLBT no âmbito da Secretaria Especial de Direitos Humanos, para que seja garantida prioridade real, e criada a estrutura funcional e os meios concretos para  a gestão e execução do Plano aprovado; c) a constituição de um Conselho Nacional da Cidadania GLBT, que será o canal de participação cidadã desta população no governo federal, com o objetivo de visibilizar  essa pauta, agir nos casos concretos de violações de nossos direitos e realizar o monitoramento e controle social das políticas públicas  previstas no futuro Plano Nacional.

4) Judiciário e MP, uma nova atitude: não é só o Legislativo que deve mudar de atitude. O Judiciário também precisa incorporar a agenda da igualdade e da garantia dos direitos civis dos GLBT. A despeito de várias decisões favoráveis aos homossexuais em primeira instância e algumas poucas em segunda instância (destaque para a progressista magistratura gaúcha), os tribunais superiores ainda não se pronunciaram firme e decisivamente sobre os direitos e a proteção das famílias GLBT.  Esperamos uma nova atitude por parte do conjunto do judiciário, moderna e progressista, reconhecendo as realidades de fato e consolidando jurisprudências definitivas que assegurem os direitos das pessoas, independentemente de sua orientação sexual e identidade de gênero. Do Ministério Público (seja o federal, sejam os estaduais) queremos ações cotidianas. Ou seja, que esses agentes públicos incorporem como diretriz a necessidade permanente de iniciativas para garantir direitos e proteger os GLBT das discriminações.

Pode parecer muito, mas, não é. Estamos no século XXI. Vivemos em um país que está a procura do desenvolvimento com justiça social, combatendo desigualdades históricas.  Somos, no mínimo, 18 milhões de pessoas alijadas da cidadania formal e cotidianamente estigmatizadas e discriminadas. A Conferência Nacional GLBT deve marcar um novo tempo na vida de todas/os. Não estamos pedindo nada. Queremos só o que é nosso: o direito ao reconhecimento social e à cidadania plena. Ou seja: direitos iguais, nem menos, nem  mais.
 
Julian Rodrigues é ativista GLBT do Instituto Edson Neris (SP) e da Comissão Organizadora da Conferência GLBT, indicado pela ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais)

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